MLS - Educational Research (MLSER)

http://mlsjournals.com/ Educational-Research-Journal

ISSN: 2603-5820

(2024) MLS-Educational Research8(2), 391-405. doi.org/10.29314/mlser.v8i2.2300.

CURRÍCULO NO CONTEXTO ESCOLAR: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CONTEMPORÂNEA

Meyre Ane Sampaio Moreira
Universidade do Estado da Bahia (Brasil)
melsmoreira@hotmail.com · https://orcid.org/0000-0001-2345-6789

Recibido: 17/07/23 Revisado: 12/01/24 Aceito: 26/01/24

Resumo: São incontáveis as motivações que levam ao caminho da pesquisa. No caso dessa, a razão motivacional foi o desejo de investigar sobre a seleção dos conteúdos, por professores que atuam em uma determinada escola da rede municipal de ensino de Salvador-Ba, no intuito de refletir - e trazer para o campo da discussão - as propostas curriculares implementadas nesta unidade de ensino, buscando compreender como elas determinam a práxis docente desenvolvida no cotidiano escolar. Para tanto, utilizou-se o dispositivo de análise de dados coletados, por meio da aplicação de questionários a docentes e funcionários, cuja análise revelou que a maioria acredita que a escola desenvolve um currículo que rompe com a ideia de uma instituição reprodutora das regras determinadas pela sociedade. Contudo, observou-se existir um distanciamento entre o que se diz e o que se faz, impactando - de modo decisivo - na prática docente e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos. Dessa forma, acreditamos que é preciso romper com todo tipo de currículo uniformizante, buscando promover novas formas de ensinar e aprender, pautadas numa estrutura curricular que garanta ao aluno uma aprendizagem efetiva e significativa, levando em conta seu contexto sociocultural, experiências de vida, necessidades, particularidades e especificidades.

Palabras-chave: currículo, educação, práxis docente.


CURRICULUM IN THE SCHOOL CONTEXT: REFLECTIONS ON CONTEMPORARY PRACTICE

Abstract: There are countless motivations that lead to the path of research. In this case, the motivational reason was the desire to investigate the selection of content, by teachers who work in a specific school in the municipal education network of Salvador-Ba, with the aim of reflecting - and bringing into the field of discussion - the curricular proposals implemented in this teaching unit, seeking to understand how they determine the teaching praxis developed in everyday school life. To this end, the collected data analysis device was used, through the application of questionnaires to teachers and staff, whose analysis revealed that the majority believe that the school develops a curriculum that breaks with the idea of an institution reproducing the determined rules by society. However, it was observed that there is a gap between what is said and what is done, impacting - in a decisive way - on teaching practice and, consequently, on student learning. Therefore, we believe that it is necessary to break with all types of standardizing curriculum, seeking to promote new ways of teaching and learning, based on a curricular structure that guarantees students effective and meaningful learning, taking into account their sociocultural context, life experiences, needs, particularities and specificities.

Keywords: Curriculum, education, teaching practice.


CURRÍCULO EN EL CONTEXTO ESCOLAR: REFLEXIONES SOBRE LA PRÁCTICA CONTEMPORÁNEA

Resumen: Existen innumerables motivaciones que conducen al camino de la investigación. En este caso, el motivo motivacional fue el deseo de investigar la selección de contenidos, por parte de docentes que actúan en una escuela específica de la red educativa municipal de Salvador-Ba, con el objetivo de reflejar - y traer al campo de discusión - las propuestas curriculares implementadas en esta unidad didáctica, buscando comprender cómo determinan la praxis docente desarrollada en el cotidiano escolar. Para ello se utilizó el dispositivo de análisis de los datos recolectados, mediante la aplicación de cuestionarios a docentes y personal, cuyo análisis reveló que la mayoría cree que la escuela desarrolla un currículo que rompe con la idea de una institución que reproduce las reglas determinadas por sociedad. Sin embargo, se observó que existe un desfase entre lo que se dice y lo que se hace, impactando - de manera decisiva - en la práctica docente y, en consecuencia, en el aprendizaje de los estudiantes. Por lo tanto, creemos que es necesario romper con todo tipo de estandarización curricular, buscando promover nuevas formas de enseñar y aprender, basadas en una estructura curricular que garantice a los estudiantes un aprendizaje efectivo y significativo, teniendo en cuenta su contexto sociocultural, experiencias de vida, necesidades, particularidades y especificidades.

Keywords: currículo, educación, práctica docente.


Introdução

São inúmeras as discussões a respeito de currículo no mundo inteiro, contudo não há um consenso para um tema tão polissêmico e complexo, principalmente se considerarmos que sua definição pode variar de acordo com a localização político-geográfica na qual ele se insere, bem como o seu contexto histórico. Do mesmo modo, precisamos levar em consideração os vários tipos de enfoques pedagógicos que o influenciam, além dos objetivos para o quais é proposto. Assim, qualquer definição de currículo poderia estar correta ou incorreta, dependendo da sua inserção em algum dos "requisitos" supracitados. Desse modo, inicialmente, dentre o vasto leque conceitual sobre currículo, seguimos as orientações dos estudos atuais e concebemos a noção de currículo como um campo de luta por significações e ressignificações que, se expressando em meio a tensões e relações de poder, contribui para a construção de identidades. Portanto, nos amparamos no conceito defendido por Moreira e Candau (2007, p. 18), ao definirem currículo como “as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes".

Existem muitas razões que determinam a realização de uma pesquisa: a busca por respostas para questionamentos ou hipóteses que surgem no dia a dia; a procura por explicações, quando não se tem elementos suficientes para responder tais questionamentos, hipóteses e/ou, mesmo, solucionar problemas; a inquietação diante de situações desafiadoras que precisam ser superadas; o desejo de conhecer melhor o objeto de pesquisa, no intento de planejar ações que auxiliem em novas descobertas. Enfim, são incontáveis as motivações que levam ao caminho da pesquisa e Demo (2001, p. 12), nos traz uma definição bastante pertinente do que poderia ser a pesquisa: “diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do cotidiano”. É nessa perspectiva que assumimos o desejo de investigar sobre a seleção dos conteúdos, realizada pelos professores que atuam em uma determinada escola da rede municipal de ensino de Salvador - estado da Bahia (Ba), no intuito de refletir sobre as propostas curriculares implementadas nesta unidade de ensino, buscando compreender como aquelas determinam a práxis docente desenvolvida no cotidiano escolar. Para tanto, contamos com a participação dos diferentes atores sociais, envolvidos no processo de elaboração e implementação da proposta curricular da escola. Ressaltamos que a pesquisadora faz parte do contexto da instituição onde a pesquisa se efetivou. 

A referida unidade escolar é um estabelecimento de ensino de pequeno porte, tendo seu corpo administrativo composto por uma diretora, dois vice-diretores, uma secretária e uma coordenadora pedagógica. O corpo docente é composto por sete professores concursados e uma professora do Regime Especial de Direito Administrativo - REDA, distribuídos nos dois turnos. O quadro de funcionários, no momento, conta com apenas três auxiliares de serviços gerais, se revezando na função de merendeira; duas Auxiliar de Desenvolvimento Infantil - ADIS, uma para cada turma da Educação Infantil e dois agentes de portaria. 

A escola atende 284 alunos, distribuídos nos turnos matutino e vespertino, no total de dez turmas, duas da educação infantil e oito do ensino fundamental anos iniciais, 1º ao 5º anos. A comunidade atendida pela escola é populosa e bastante carente, embora conte algumas poucas famílias bem estruturadas, financeiramente. A maioria das famílias sobrevive com menos de um salário-mínimo, renda obtida por intermédio do programa bolsa família, pequenos e precários comércios, serviços informais e mão de obra doméstica.

Na intenção de alcançar o objetivo proposto para a realização da pesquisa, optamos pelo dispositivo de análise de dados coletados, por meio de questionários (questões abertas e fechadas). Entre docentes e funcionários, resolvemos aplicar o questionário a 100% dos docentes e das ADIs. Quanto aos demais funcionários, aplicamos o questionário a 50% deles. Os dados da pesquisa foram coletados durante os meses de fevereiro, março e abril de dois mil e dezenove. 

Currículo: um instrumento social, político, educacional e cultural

Os nossos estudos apontam, que ao final do sec. XIX o currículo ainda era dividido em dois paradigmas: o trivium, que era composto de disciplinas como gramática, retórica e dialética e; o quadrivium que compunha a música, a aritmética, a geometria e a astronomia. Já no sec. XX o currículo teve suas apreensões voltadas para a imigração, urbanização e industrialização. Então, em 1918, Bobbitt lança “The Curriculum”, onde pressupunha que o currículo deveria estar voltado para a preparação das crianças e jovens para o alcance dos objetivos da sociedade vigente, com ideias de padronização e eficiência. 

Outro marco importante para a conjectura curricular, de acordo com algumas pesquisas, ocorreu durante a Conferência de Chicago em 1947. Nessa conferência, Ralph Tyler instituiu as incumbências de uma teoria curricular, vindo em 1949 a exibir a fundamentação lógica dos seus princípios, na obra Basic Principles of Curriculum and Instruction, os quais ficaram conhecidos como a rationale de Tyler: 1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? 3. Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 4. Como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?

Segundo Roldão (1999, p. 18), a abordagem do currículo vem novamente a sofrer alterações no fim da década de 60 e início dos anos 70. Ainda, de acordo com a autora, resultado de manifestações e contraposições estudantis que fortaleceram os valores libertários, bem como a emancipação da pessoa humana, o ensino passou a focar nas necessidades e interesses do aluno, relevando-se na significação contemporânea de temas sociais, numa abordagem integradora do conhecimento.

Caminhamos, assim, para uma concepção de currículo que pretende abarcar os contributos mais significativos das várias perspectivas teóricas ainda que, por vezes, de difícil conciliação. Nessa perspectiva, o currículo escolar busca as suas fontes de inspiração no saber e nas necessidades do contexto social, como ressalta Moreira e Candau (2007, p. 32) ao sugerir que “se procure, no currículo, reescrever o conhecimento escolar usualtendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produção”. 

Assim, diante de todo o contexto apresentado, o presente trabalho tem como objetivo promover reflexões e discussões sobre as práticas curriculares desenvolvidas no cotidiano da escola onde a pesquisa se efetivou. A construção deste texto resulta de um processo de sistematização, envolvendo a participação de diversos atores que protagonizam o dia a dia da comunidade escolar. Para essa construção, buscou-se descobrir e analisar considerações importantes acerca do pensar e do fazer pedagógico na instituição, sendo utilizados os registros produzidos e sistematizados no período de fevereiro a abril de dois mil e dezenove, considerando-se dados qualitativos e quantitativos. 

Nesse contexto, ainda expomos as concepções que nortearam o nosso trabalho, os avanços e as dificuldades vivenciadas, além de desafios e entraves, durante o processo de coleta dos dados. O primeiro passo para obter a participação dos sujeitos envolvidos na pesquisa foi criar um ambiente confortável e confiável, onde todos pudessem se sentir à vontade para expressar suas ideias e pontos de vista de maneira sincera. Para tanto, precisávamos conquistar sua confiança para que pudessem compartilhar as informações necessárias para o desenvolvimento da pesquisa. Sendo assim, solicitamos à direção, além da autorização para a realização da pesquisa, um momento durante a primeira Atividade Complementar, o AC coletivo da escola, realizado em fevereiro daquele ano, para que pudéssemos explicar ao grupo sobre a finalidade, bem como os objetivos da pesquisa e como ela se daria durante os três primeiros meses de aula do ano letivo de 2019. 

Assim o fizemos, e pudemos contar com a participação de quase todos os docentes e funcionários da escola, sem muitos empecilhos. Apenas duas professoras se recusaram a participar, alegando desconforto com a situação que a elas se apresentavam. Elas demonstraram um sentimento de desagrado por se sentirem fiscalizadas, mesmo tendo a pesquisadora explicado o objetivo da pesquisa.


Metodologia

Para definir o tipo de pesquisa pretendida, nos utilizamos dos aportes teóricos de autores como Demo (2001) e Gil (2002), os quais entendem a pesquisa como um mecanismo de ajustamento, organização e possibilidade de compreensão sobre uma problemática, a qual se propõe a estudar. Destarte, Gil define pesquisa como sendo:

Procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa é requerida quando não se dispõem de informações suficientes para responder ao problema, ou então quando a informação disponível se encontra em tal estado de desordem que não possa ser adequadamente relacionada ao problema. [...] a pesquisa desenvolve-se ao longo de um processo que envolve inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a satisfatória apresentação dos resultados (GIL, 2002, p. 17).

Neste caso, é imprescindível pensar/refletir sobre o percurso a ser seguido, assim como as estratégias que deverão ser desenvolvidas, no intuito de criar-se e executar-se uma proposta interventiva, caso necessário, após a obtenção dos resultados. Além disso, o percurso metodológico deve ser planejado com atenção e cautela, estreitando-se a relação entre o tipo de pesquisa e o objeto a ser pesquisado. Desse modo, esta pesquisa trata-se de um estudo de caso e utiliza-se a coleta de dados, a qual aponta possíveis caminhos para o alcance de respostas e/ou soluções para o problema levantado.

De acordo com Gil (2008), ao citar Yin (2005, p. 32), o estudo de caso pode ser definido da seguinte forma:

O estudo de caso é um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de evidência (GIL, 2008, p. 58).

Nesse contexto, Thiollent (2002, p. 25) adverte quanto à importância de se compreender a função da metodologia dentro da pesquisa. Para o autor, a metodologia “consiste em analisar as características dos vários métodos disponíveis, avaliar suas capacidades, potencialidades, limitações ou distorções e criticar os pressupostos ou as implicações de sua utilização”. 

Ainda, Thiollent nos ensina sobre a importância do estudo e do entendimento acerca da metodologia, nos alertando sobre o fato de que esta etapa da pesquisa orienta o pesquisador quanto à condução da pesquisa, a elaboração do problema, a seleção de definições/conceitos, hipóteses e o conjunto de técnicas adequadas à coleta de informações. Por se tratar de um estudo de caso, essa modalidade de investigação pode ser mista. Assim, no intento de obter respostas para o problema proposto como objeto de estudo, optamos em combinar os métodos qualitativos e quantitativos.

Nessa perspectiva, acreditamos que o percurso metodológico, para entender o objeto de estudo proposto, não se constitui numa descrição de procedimentos, simplesmente, seguidos; mas sim em estratégias pensadas e planejadas com vistas ao alcance dos objetivos definidos. Foram três meses de interação com a comunidade escolar e com a comunidade local situada no entorno da referida escola, com um olhar para obtermos a confiança de seus moradores, sua compreensão acerca do trabalho que iríamos desenvolver, assim como a permissão deles para desenvolvê-lo. Todos, elementos necessários para a consolidação da pesquisa a qual nos propomos realizar, principalmente porque em determinadas localidades próximas a escola a violência e o tráfico de drogas imperam sem nenhuma intervenção policial. 

Os dados da pesquisa de campo foram coletados nas mais de dez idas à comunidade, no período compreendido entre fevereiro e abril do ano de dois mil e dezenove. Inicialmente, fizemos o levantamento das informações necessárias para determinar a amostra da pesquisa, considerando à faixa etária, o tempo de atuação na profissão e naquela escola, além das questões geracionais dos sujeitos participantes da pesquisa. Verificamos e analisamos instrumentos de planejamento, o projeto político-pedagógico (PPP) da escola, as diretrizes curriculares que norteiam a prática e as ações pedagógicas dos docentes, o plano de ação da gestão da escola e da coordenação pedagógica, assim como outros materiais didáticos-pedagógicos. 

Por conseguinte, seguindo orientações dos estudos de Gil (2002), optamos por desenvolver a pesquisa com uma amostra correspondente a 100% do corpo docente da escola e 50% dos demais funcionários. Embasados nas concepções de Thiollent (2002), assumimos a posição de pesquisador-observador, por entender que esse método convenciona com a observação em campo, com a análise documental, registros escritos e a aplicação de questionários. 


Resultados

Nos questionários aplicados utilizamos questões abertas e fechadas, com o intuito de compreender o universo pesquisado. As questões abertas serviram de base para identificar as impressões que os sujeitos pesquisados têm sobre a concepção e importância do currículo, bem como acontece a sua aplicabilidade no cotidiano escolar. As questões fechadas, por sua vez, incluíram dados pessoais como sexo, idade, tempo de atuação profissional, tempo de atuação na unidade escolar, assim como questões voltadas à organização e articulação do currículo.

Questões fechadas

Nesse primeiro momento, apresentamos os resultados obtidos mediante as questões fechadas dos questionários aplicados, quando a partir dos dados coletados foi possível perceber que há, na escola, um ambiente favorável às reflexões sobre o currículo, assim como repensar seus conteúdos e práticas. 

A maior parte dos professores e funcionários, atuam na escola há mais de 3 anos, ou seja, conhecem bem a realidade dos alunos e da comunidade local. Dentre esses, 66% exercem a função de professor, sendo que 100% desses declarou gostar da profissão, sem fazer nenhuma ressalva. Para 82% dos sujeitos pesquisados, entre professores e funcionários, a escola deixa claro sua missão, visão e valores para a comunidade, como é possível observar na figura abaixo. 

Figura 1

Em sua opinião, a escola deixa claro sua missão, visão e valores para a comunidade?

Segundo o projeto político-pedagógico da escola, a missão, a visão e os valores da unidade de ensino onde se deu a pesquisa, configuram-se em:

Proporcionar aos seus alunos um ensino de qualidade e excelência, voltado para a aprendizagem de maneira efetiva e significativa, favorecendo a formação de sujeitos éticos, criativos, reflexivos, participativos e inquiridores, respeitando as individualidades dentro da diversidade. A missão da escola é formar cidadãos críticos, interativos, questionadores e atuantes na sociedade da qual fazem parte. Sujeitos que assimilem as informações e transforme-as em conhecimentos, e depois utilizem esses conhecimentos em seu próprio benefício e em benefício da comunidade na qual estão inseridos [...]. A escola tem como visão preparar os educandos para intervir de maneira crítica e transformadora na sociedade em que estão inseridos, pois acreditamos que o conhecimento só é significativo para o aluno quando ele compreende a sua aplicabilidade, quer dizer, saber gerir as informações adquiridas para extrair e construir novos saberes, ressignificando muitos outros (PPP, 2014, p. 26-27).

Figura 2

A equipe de gestão e coordenação pedagógica da escola se reúne com você para discutir sobre o cumprimento do currículo e sobre alternativas para dinamizá-lo em prol da melhoria da aprendizagem do aluno?

Ao fazer a análise da figura 2, sobre a prática de reuniões com a coordenação pedagógica e a gestão da escola para discutir e avaliar as ações desenvolvidas a partir do currículo educacional, bem como sobre buscar estratégias e alternativas para melhorar a aprendizagem do aluno, 82% dos sujeitos pesquisados declara que sim, esses momentos existem; contudo, 18% disseram que não, esses momentos não existem. Em outras palavras, uma parcela pequena, porém significativa, acredita que os momentos destinados à discussão e avaliação do currículo não acontecem, o que ocorrem na verdade são meros encontros coletivos que tratam de diversos assuntos, menos sobre a aplicabilidade do currículo, assim como seus resultados. 

A leitura e análise das figuras 3 e 4, revelam que 73% dos professores e funcionários do estabelecimento de ensino pesquisado acredita que os programas e os projetos pedagógicos existentes na escola são desenvolvidos de forma articulada com o currículo escolar, da mesma forma que as pautas dos planejamentos coletivos contemplam o currículo da escola.

Figura 3

Os programas e projetos existentes na escola são desenvolvidos de forma articulada com o currículo escolar?

Observação: Figura criada pelos autores com base em dados de pesquisa.

Figura 4

As pautas dos planejamentos coletivos (quinzenais e/ou mensais) contemplam o currículo da escola?

Dessa forma, evidenciamos que boa parte dos sujeitos pesquisados (18%) não concorda que há uma articulação entre os programas e os projetos desenvolvidos na escola com o currículo adotado. Em conversa com esses profissionais, ouvimos suas críticas sobre as concepções que norteiam o currículo da escola. Essa postura nos leva a concluir que apenas a minoria dos profissionais que atuam na escola onde a pesquisa aconteceu, tem uma visão mais ampliada, crítica e indagadora acerca do currículo escolar, pois são os únicos que percebem, ou pelo menos admitem, que a organização curricular afeta a organização da prática docente, assim como influência, fortemente, na formação dos nossos educandos, determinando - muitas vezes - como esses sujeitos atuarão na sociedade quando forem adultos.

Figura 5

Existe um documento norteador que baseia os planos pedagógicos elaborados pelos professores?

A figura 5, referente à existência de um documento norteador que baseia os planos pedagógicos elaborados pelos professores, aponta que 100% dos sujeitos pesquisados declarou a existência de um projeto político-pedagógico da escola, tendo sido o mesmo construído a muitas mãos com a participação de membros de todos os segmentos da comunidade escolar.

Avaliamos esse item como positivo, por acreditarmos que o projeto político-pedagógico é um instrumento importante na educação, por meio do qual pode-se reconfigurar as ações desenvolvidas na escola, significando metas e objetivos. Complementando nosso pensamento, Vasconcellos (1995, p. 143), defende a ideia de que o PPP “é uma ferramenta teórico-metodológica que tem por objetivo superar as dificuldades e os entraves que surgem no dia a dia da escola de maneira organizada, consciente e cooperativa”. 

Por fim, fazendo a leitura das figuras 6 e 7, sobre a importância da avaliação do processo da proposta curricular, na busca de melhorar a qualidade do ensino oferecido pela escola, assim como considerar as experiências e vivências dos alunos e seus familiares na seleção dos conteúdos que compõem o currículo escolar, constatamos que 82% consideram importante essa ação. Por outro lado, apenas 55% dos pesquisados acredita que os saberes que os alunos trazem para a escola são considerados no momento de selecionar o que deve ser trabalhado/ensinado durante o ano letivo. 

Figura 6

A avaliação do processo e da aplicação da proposta curricular é uma ação importante na busca da qualidade do ensino oferecido pela escola?

Figura 7

As experiências dos alunos e de seus familiares são consideradas na seleção dos conteúdos?

Ao observamos a figura acima, verificamos que 27% dos professores e funcionários que atua na escola pesquisada acredita que as experiências de vida dos alunos, tão importantes para a construção de novos conhecimentos, não são levadas em consideração para o processo de ensino e aprendizagem desenvolvido na escola. Com base em nossos estudos, concluímos que apesar de estarmos vivendo no século XXI, muitas escolas ainda desenvolvem as mesmas práticas de outrora. Uma delas é não valorizar o que o aluno traz como experiência para sala de aula, o que poderia enriquecer e favorecer o seu processo de aprendizagem.

Questões abertas

Nesse segundo momento, os dados apresentados dão conta das questões abertas e, por se tratar de questões subjetivas, selecionamos apenas algumas respostas e transcrevemos do jeito que os sujeitos pesquisados escreveram.

Como, quando e com quem é feita a seleção dos conteúdos curriculares a serem ensinados e aprendidos durante o ano letivo?

A seleção é feita antes do início do ano letivo, de forma coletiva e articulada, de acordo com os marcos de aprendizagem, necessidades dos alunos, focando no tema central da Secretaria de Educação (Depoente A).

Com a equipe de gestão, coordenadora pedagógica e professores, na jordana pedagógica e reuniões aos finais dos bimestres (Depoente B).

Geralmente é feita no início de cada ano letivo, com revisões a cada bimestre (Depoente C).

Não é feita nenhuma seleção de conteúdos, de maneira organizada e planejada (Depoente D).

Nos depoimentos acima, foi possível perceber informações controversas, como já relatado na seção anterior, na análise da figura7, quando 55% dos pesquisados acredita que as experiências de vida de alunos e familiares são levadas em consideração na seleção de conteúdos e 27% declaram que não, que essa informação não procede. Essa situação pode significar que muitos profissionais da educação ainda confundem listar conteúdo com a ação de selecionar, o que é bem diferente. 

Acreditamos, ainda, que de fato o que acontece na escola onde a pesquisa foi realizada, é uma listagem de conteúdos; visto que não temos como selecionar conteúdos no início do ano, se ainda não conhecemos os alunos com os quais iremos trabalhar, se ainda não conhecemos suas necessidades e particularidades.

O que um currículo deve priorizar, considerando que educamos cidadãos para a vida?

Um currículo deve priorizar leitura e escrita, preservação ambiental, cidadania (direitos e deveres), relação familiar e interpessoal (Depoente A).

Questões atuais e do cotidiano do aluno, suas experiências e sua visão de mundo, contribuindo assim para a sua formação humana (Depoente B).

Deve priorizar não apenas conteúdos básicos e temas transversais, mas também enfatizar as experiências que o aluno construiu ao longo da vida, levando em consideração sua realidade (Depoente C).

A bagagem de experiências de cada aluno (Depoente D).

O currículo é um instrumento político que se vincula à ideologia, à estrutura social, à cultura e ao poder. Assim, a composição e elaboração da proposta curricular de uma escola implica na compreensão de que o currículo é mais que conteúdos escolares inscritos nas disciplinas. Dito isto, é possível perceber que grande parte dos sujeitos pesquisados compreende que as experiências e vivências dos alunos, assim como suas concepções acerca do mundo devem ser consideradas no currículo escolar, porém ainda existem aqueles que acreditam que a prioridade ainda devem ser os conteúdos formais.

De que forma os professores precisam ser preparados para enfrentar as mudanças na sociedade e como essas mudanças incidem no currículo?

Por meio de cursos de formação continuada. O currículo não pode ficar estático, ele deve acompanhar as transformações que ocorrem na sociedade (Depoente A).

Os professores devem estar constantemente em formação, buscando novos conhecimentos, se aprimorando para enfrentar tantas mudanças que estão ocorrendo na sociedade, de forma muito rápida (Depoente B).

Por meio de aprimoramento profissional, ou seja, dando continuidade à sua formação inicial (Depoente C). 

Devem se preparar sempre dialogando interagindo com as ciências, a cultura e as diversidades que aí estão (Depoente D).

Todas as questões que envolvem o fazer pedagógico e as suas relações com o currículo, conhecimento e função social da escola obrigam a um pensar e a uma reflexão contínua sobre esse processo. A partir dos depoimentos acima, é possível perceber que os participantes da pesquisa compreendem a importância de buscar, constantemente, o aprimoramento profissional por intermédio de formação continuada; porém, não conseguiram expressar de que forma as mudanças, constantes, na sociedade podem influenciar na configuração do currículo escolar.

Há projeto político-pedagógico na instituição? Como foi construído? Coletivamente ou por especialistas? 

Sim, existe, e foi construído coletivamente, com contribuições do corpo docente, além de discussões em conjunto, observando a realidade da comunidade onde a escola está inserida (Depoente A).

Sim, quando cheguei à instituição o PPP já havia sido construído. Pelo que sei, de forma coletiva (Depoente B).

Sim. Com toda comunidade escolar e membros do conselho (Depoente C). 

Sim, de modo coletivo e depois foi realizada uma revisão por um especialista da Secretaria de Educação do município de Salvador (Depoente D).

O projeto político-pedagógico deve ser um processo de permanente reflexão, de discussão e participação sobre os problemas da escola. Os depoimentos acima, nos levam a compreensão de que o PPP da escola onde a pesquisa foi realizada é fruto da colaboração e participação de todos os segmentos que fazem parte da comunidade escolar, o que é algo muito positivo; pois acreditamos que para garantir o sucesso das ações implementadas por este importante instrumento pedagógico, os sujeitos precisam se reconhecer nele, a fim de referendá-lo.

Que aspectos são considerados facilitadores e inibidores do envolvimento e participação da comunidade escolar na construção e aplicação do projeto político-pedagógico da escola?

A falta de consciência dos familiares dos alunos é um aspecto inibidor da participação nessa construção e a gestão democrática é aspecto facilitador (Depoente A).

Atualmente o aspecto facilitador é o transporte escolar que traz os pais para a escola e o inibidor é a falta de vontade dos mesmos (Depoente B).

Facilitadores: transporte e reuniões. Inibidores: falta de conscientização sobre o papel da escola (Depoente C).

Nos relatos acima entendemos que nem todos os pais e alunos foram atuantes o quanto deveriam ser na construção do projeto político-pedagógico da escola. Percebemos nas falas dos depoentes a falta de consciência dos familiares e responsáveis pelos alunos, sobre a importância do projeto político-pedagógico, como documento norteador de ações facilitadoras para o processo de construção do conhecimento, se constitui num aspecto inibidor para o envolvimento e a participação da comunidade na elaboração e aplicação desse. Por outro lado, também faltou consciência e compreensão dos sujeitos pesquisados, no que se refere aos aspectos facilitadores; visto que grande parte declarou, de forma ingênua, ser o transporte escolar um aspecto facilitador para a participação da comunidade na construção do projeto político-pedagógico.

Como você descreve a participação de pais, familiares, funcionários e docentes na construção e aplicação projeto político-pedagógico da escola?

A grande maioria dos familiares participa das atividades desenvolvidas pela escola, mas não se preocupa em cobrar ou fiscalizar as ações do projeto, tão pouco acompanha as decisões do conselho escolar (Depoente A).

A participação da comunidade escolar na aplicação do PPP é ativa, mas a participação dos pais ainda deixa a desejar (Depoente B).

Há participação de pais e familiares no cotidiano da escola, mas a maioria não vem à escola, nem mesmo nas reuniões bimestrais (Depoente CJ).

As declarações listadas acima, nos leva à reflexão sobre como as ações da escola estão sendo percebidas pela comunidade escolar e sobre como a escola está estabelecendo relações com a comunidade do seu entorno; a partir dos depoimentos supracitados, é possível perceber que os pais e familiares dos alunos quase não participam das ações pedagógicas desenvolvidas na escola. Dessa forma, faz-se necessário desenvolver ações que aproximem a comunidade local da comunidade escolar, com vistas a motivar a família a participar mais das atividades desenvolvidas pela escola, assim como da vida escolar dos alunos.

O que está contemplado no político-pedagógico da escola? Por exemplo: cultura popular, a diversidade (de orientação sexual, de religião, cultural etc.), a inclusão (de pessoas com deficiência), a avaliação, a parceria família-escola, as práticas esportivas etc. estão contemplados neste projeto?

Cultura popular, diversidade, avaliação, parceria família-escola, entre outros (Depoente A).

Todos os itens apontados na questão, levando em conta a realidade e o contexto social do aluno (Depoente B).

Todos os itens citados acima, dentre outros temas atuais (Depoente C).

Sim, estão contemplados. Também aparece na proposta do PPP, a questão da identidade, valores, questões ambientais, entre outros (Depoente D).

Ao analisar os discursos referentes ao que está contemplado no projeto político-pedagógico da escola, verificamos que a grande maioria dos pesquisados acredita que a proposta do PPP da escola atenda a sua clientela, nos mais variados aspectos sociais, tais como: identidade, valores, cultura, diversidade, inclusão, assim como temas relativos às relações sociais e aos conhecimentos atuai, indispensáveis à formação de um sujeito crítico, participativo e atuante. 

Assim, diante do exposto, acreditamos que é preciso pensar em romper com todo o tipo de currículo que seja uniformizante, quebrando paradigmas, buscando promover novas formas de ensinar e aprender, pautadas numa estrutura curricular que garanta ao aluno uma aprendizagem efetiva, eficaz e significativa, levando em conta seu contexto sociocultural, suas experiências de vida, suas necessidades, especificidades e particularidades. Para tanto, esses sujeitos sociais devem participar da construção e elaboração da proposta curricular implementada na sua escola.


Discussões e conclusões

Essa pesquisa teve como objetivo investigar como acontece a seleção dos conteúdos, realizada pelos professores que atuam em uma determinada escola da rede municipal de ensino de Salvador, com o intuito de refletir sobre as propostas curriculares implementadas nessa unidade de ensino, buscando compreender como elas determinam a práxis docente desenvolvida no cotidiano escolar. Ao final da nossa pesquisa, concluímos que a maioria dos professores que atua na unidade escolar onde a pesquisa aconteceu, acredita que desenvolvem um currículo que rompe com a ideia de uma instituição isolada que só reproduz as regras determinadas pela sociedade. 

A partir da análise das informações levantadas, concluímos, também, que há na escola um ambiente favorável às reflexões sobre o currículo, assim como repensar seus conteúdos e práticas; contudo, observou-se que apenas a minoria dos profissionais que atua nesta unidade de ensino, local onde a pesquisa aconteceu, tem uma visão crítica e indagadora sobre o currículo, compreendendo que a organização dele influencia tanto a prática docente, quanto a formação discente. 

Na perspectiva adotada pela escola, grande parte dos profissionais da educação que nela atua, defende a ideia de que essa instituição não está solta, desconectada da realidade atual, mas inserida num contexto social que é dinâmico e inconstante, e por conta disso a escola precisa se reinventar, constantemente, buscando acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade, assim como atender às expectativas, anseios e necessidades da comunidade à qual ela serve. 

De fato, na construção do projeto político-pedagógico, pudemos constatar que a escola buscou definir uma proposta curricular que atenda às necessidades da sua clientela, oportunizando o desenvolvendo de ações relativas às relações sociais, à construção do conhecimento, de forma a favorecer a autonomia do educando e a ampliação de conhecimentos importantes e indispensáveis à formação de um sujeito ativo, criativo e transformador, atuante na sociedade da qual faz parte. 

Ainda observamos na proposta do PPP da escola, a preocupação em ajudar na construção e fortalecimento de identidades e no ensinamento de valores – tão importantes e necessários à vida em sociedade, especialmente em tempos atuais, sem esquecer de considerar o contexto e as experiências vivenciadas pelo sujeito aprendente. Entretanto, mesmo percebendo que grande parte dos sujeitos pesquisados compreende que as experiências e vivências dos alunos, assim como suas concepções acerca do mundo devem ser consideradas no currículo escolar, observamos também, que uma parcela significativa ainda acredita que a prioridade deve ser os conteúdos formais.

A escola não se constitui num espaço sereno onde verdades absolutas são ensinadas e compartilhadas; ao contrário, dúvidas, incertezas e questionamentos permeiam o seu cotidiano. Questões advindas da inconstância da sociedade e da própria cultura, das relações sociais, políticas e religiosas, do modo de ser e de viver das pessoas. E são essas dúvidas, incertezas e questionamentos que respaldam as indagações que fazemos sobre o paradigma curricular que desenvolvemos em nossas escolas. 

Feitas essas considerações, concluímos que, apesar de a escola estar aberta às reflexões e ao repensar do fazer pedagógico a partir do currículo, ainda existe uma grande distância entre o que dizemos e o que fazemos, e isso impacta, de modo decisivo, sobre a prática docente e, consequentemente, sobre a aprendizagem dos alunos. 


Referências

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