MLS - Communication Journal

https://www.mlsjournals.com/ MLS-Communication-Journal

ISSN: 2792-9280

(2024) MLS-Communication Journal, 2(2), 142-158. 10.69620/mlscj.v2i2.3211.

MILITÂNCIA DE INTERNET: O QUANTO PODE UMA #HASHTAG?

Manuela Bonfim Magalhaes Conceição
European University of the Atlantic (Brazil)
manuelabomfim@yahoo.com.br · https://orcid.org/0009-0006-9224-7976

Receipt date: 24/09/2024 Revision date: 12/11/2024 Acceptance date: 15/11/2024

Resumo: A difusão do movimento feminista contemporâneo, denominada por muitos autores como quarta onda feminista, está relacionada majoritariamente a popularização do acesso à internet e ao fenômeno das redes sociais, responsáveis por profundas transformações no que tange a organização política desses movimentos. Nesse sentido, nota-se que no início dos anos 2000, além do desenvolvimento de novas formas de sociabilidade, as mídias sociais também se apresentaram como um ambiente seguro e eficiente para a atuação ativista na luta da violência contra a mulher. Observou-se inúmeros destes movimentos eclodirem por meio de hashtags, nos quais mulheres de todo o mundo passaram a compartilhar suas dores, anseios e, principalmente, se uniram para requer seus direitos, galgando conquistas significativas. Nesse sentido, essa revisão de literatura sistemática de abordagem quali-quanti, teve por objetivo compreender a influência das hashtags no ciberativismo ou ativismo digital feminista, tendo sido analisadas para tanto, um total de 1.747 dissertações relacionadas direta ou indiretamente ao tema e disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A pesquisa buscou mapear estudos voltados para a compreensão do poder de influência mobilizado pelas hashtags nas mídias sociais, obtendo como resultado a confirmação do poder de ação das hashtags no ativismo feminista dos últimos anos, servindo como base de dados para a formulação de campanhas futuras, que visam o enfrentamento da violência contra a mulher.

keywords: hashtag, ativismo digital, mídias sociaias, violência contra a mulher.


ACTIVISMO EN LA RED: ¿CUÁNTO PUEDEN LAS #HASHTAGS?

Resumen: La difusión del movimiento feminista contemporáneo, denominado por muchos autores como la cuarta ola feminista, está relacionada principalmente con la popularización del acceso a Internet y el fenómeno de las redes sociales, responsables de profundas transformaciones en términos de organización política de estos movimientos. En este sentido, a principios de la década de 2000, además del desarrollo de nuevas formas de sociabilidad, las redes sociales también se presentaron como un entorno seguro y eficaz para el activismo en la lucha contra la violencia hacia las mujeres. Numerosos de estos movimientos surgieron a través de hashtags, en los que mujeres de todo el mundo comenzaron a compartir sus dolores y angustias y, sobre todo, se unieron para reivindicar sus derechos, logrando importantes victorias. Teniendo esto esta revisión bibliográfica sistemática con enfoque cualitativo-cuantitativo tuvo como objetivo comprender la influencia de los hashtags en el ciberactivismo o activismo digital feminista, analizando un total de 1.747 disertaciones relacionadas directa o indirectamente con el tema y disponibles en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD). La investigación buscó mapear los estudios destinados a comprender el poder de influencia movilizado por los hashtags en las redes sociales, lo que resultó en la confirmación del poder de los hashtags en el activismo feminista en los últimos años, sirviendo como base de datos para la formulación de futuras campañas destinadas a hacer frente a la violencia contra las mujeres.

Palabras clave: Hashtag, activismo digital, medios sociales, violencia contra las mujeres.


DIGITAL ACTIVISM: HOW MUCH CAN A #HASHTAG?

Abstract: The spread of the contemporary feminist movement, referred to by many authors as the fourth feminist wave, is mainly related to the popularization of internet access and the phenomenon of social networks, which are responsible for profound transformations in terms of the political organization of these movements. In this sense, it can be seen that in the early 2000s, in addition to the development of new forms of sociability, social media also presented themselves as a safe and efficient environment for activism in the fight against violence against women. Many of these movements have erupted through hashtags, in which women from all over the world have shared their pain, their anxieties and, above all, have united to demand their rights, achieving significant victories. In this sense, this systematic literature review with a qualitative-quantitative approach aimed to understand the influence of hashtags on cyberactivism or feminist digital activism, analyzing a total of 1,747 dissertations related directly or indirectly to the topic and available in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD). The research sought to map studies aimed at understanding the power of influence mobilized by hashtags on social media, resulting in confirmation of the power of hashtags in feminist activism in recent years, serving as a database for the formulation of future campaigns aimed at tackling violence against women.

keywords: Hashtag, digital activism, social media, violence against women.


Introdução

A internet provocou mudanças tão profundas que reestruturaram todo o mundo. A globalização constitui-se, nesse sentido, um dos aspectos mais contundentes desse fenômeno, apoiado pela evolução tecnológica que, por meio da criação de novas tecnologias viabilizaram a popularização das mídias sociais, que conectam usuários de todo o planeta em um mesmo espaço virtual. É a relativização da distância. 

            Esse sentimento de proximidade entre realidades antes ignoradas umas das outras, forjou um grande senso de empatia e união, em especial nas lutas sociais engajadas por minorias oprimidas, abrindo vias ao ativismo digital. 

Nesse cenário de militância virtual, tal atuação se dá especialmente através da utilização de hashtags - que consiste na utilização de uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, com intuito de direcionar pesquisas sobre um determinado tema, aos usuários das redes sociais. 

A esse exemplo, destaca-se a campanha #NãoMereçoSerEstuprada (Leal, 2014), encabeçada pela jornalista Nana Queiroz no Facebook. reunindo 35,7 mil pessoas em apenas três dias, sendo essa uma das primeiras hashtags feministas do Brasil. O fato se deu, após o Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) divulgar, em março de 2014, o resultado de uma pesquisa a nível nacional, que denunciava que 65% concordavam que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Posteriormente, o órgão desmentiu os dados, afirmando ter invertido as colunas da planilha, sendo o correto 26%, não 65%, entretanto a indignação já havia se espalhado pelo Facebook, repercutindo internacionalmente, em sites de notícias como o "The Huffington Post", dos EUA; "20 minutes", site francês, "La Reppublica", da Itália, dentre outros, segundo reportagem de Leal (2014), divulgada no site Agência Brasil.

Outra campanha de grande impacto, cuja hashtag intitulada #NiUnaAMenos, foi criada em outubro de 2016, após relatos da estudante Lucía Pérez, de apenas 16 anos, ter sido drogada, estuprada, empalada e assassinada por três homens, chocando a Argentina e o mundo. Sua morte gerou protestos na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, em um dia que ficou conhecido como "quarta-feira negra", como noticia o jornal El País 1. A campanha mobilizou pessoas de todo o mundo, inclusive no Brasil, onde a hashtag "Nem Uma a Menos" - em tradução ao português, tomou mídias como o Facebook e Instagram, seguidas por outras hashtags que clamavam: #VivasLasQueremos", ou "As Queremos Vivas" e afirmavam: #MexeuComUmaMexeuComTodas. 

            Um ano após o assassinato de Lucía Pérez, outro feminicídio chocou a Argentina. De acordo com reportagem do Jornal Brasil de Fato (Assis, 2017), uma militante do movimento feminista, a estudante Micaela García, de 21 anos, foi encontrada nua com sinais de estupro e estrangulamento. O crime foi cometido por Sebastián Wagner, de 30 anos, denunciado à polícia por sua própria mãe. Wagner já havia sido condenado a 9 anos de prisão em 2012 por dois estupros, ocorridos em situações semelhantes. Entretanto, saiu em liberdade condicional após quatro anos de pena, “apesar da oposição da Promotoria e do parecer negativo do Serviço Penitenciário Federal, que afirmou que Wagner tinha mau comportamento na prisão”, informou Assis, autor da reportagem, que conclui: “(...) as argentinas iniciaram um twitaço e protestaram em várias cidades do país pedindo justiça para Micaela”.

Outrossim, nos Estados Unidos destaca-se a hashtag #MeToo 2, alavancada em 2017 após denúncias da atriz Alyssa Milano, que acusava o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein de assédio sexual, convocando no Twitter a todas as mulheres assediadas ou agredidas sexualmente, que lhe respondessem por meio da hashtag #MeToo - em português, "eu também". De acordo com a reportagem, cerca de “meio milhão de mulheres enviaram suas respostas nas primeiras 24 horas”, conquistando o apoio de outras artistas de peso e desmascarando uma série de outros escândalos envolvendo violência contra a mulher 3. De acordo com a reportagem “Weinstein foi condenado, em 2020, a uma pena de 23 anos de prisão pelo estupro e agressão sexual contra uma ex assistente e uma atriz. 

Cita-se, por fim, a poderosa hashtag #SoloSíEsSí 4 - em português “só sim é sim”, cujas raízes situam-se no polêmico caso denominado "La Manada", ocorrido na Espanha em 2016. De acordo com reportagem da CartaCapital 5, “Esse era o nome do grupo de WhatsApp em que interagiam os cinco homens que estupraram uma jovem de 18 anos durante as festividades de San Fermín em Pamplona, na Espanha, em 2016”. Malgrado a gravidade do crime, a justiça espanhola condenou acusados por abuso sexual, por entender não haver provas de violência ou intimidação à vítima. 

O caso repercutiu em todo o mundo, ao ponto de a Suprema Corte não apenas ratificar a pena de 9 para 15 anos de prisão por crime de estupro, como em refletir sobre as leis de proteção aos crimes de agressões sexuais, com o intuito de endurecer as penas. Em 2022 a hashtag #SoloSíEsSí tornou-se lei, gerando uma reforma do Código Penal espanhol que se comprometeu em honrar e garantir a liberdade sexual e a proteção dos direitos da mulher.

Diante deste cenário em que se reforça o poder das mídias sociais nas causas feministas, essa revisão de literatura sistemática quali-quanti, buscou compreender como as hashtags tem influenciado o ativismo feminista a partir de movimentos iniciados nas mídias sociais. Para tanto, foram selecionados estudos desenvolvidos exclusivamente por programas de pós-graduação, visando a análise, compreensão e produção de dados para a formulação de estratégias futuras para o enfrentamento da violência contra a mulher.


Método

Essa investigação compreendeu uma revisão de literatura sistemática, de abordagem mista, com o intuito de compreender, objetiva e subjetivamente, o papel das mídias sociais na violência contra a mulher no Brasil.

Deste modo, as etapas percorridas constituíram-se de: elaboração da questão norteadora; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão para seleção da amostra; elaboração do instrumento de coleta de dados; leitura interpretativa; categorização; análise temática.

O levantamento das obras, se deu exclusivamente por meio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), onde foram analisadas um total de 1.747 dissertações de mestrado, por meio de pesquisa avançada e utilização de filtros. 

Foram utilizados como descritores as expressões isoladas, ou por associação: “hashtag” or “mídia social” or “ativismo digital” or “violência contra mulher", na plataforma mencionada, sendo aplicados como filtros: dissertações; acesso aberto; idioma português. Nesse sentido, os critérios de inclusão desta pesquisa contemplaram dissertações em acesso aberto; no idioma português, que respondessem ao objetivo traçado, e com recorte temporal de publicação entre 2019 e 2024 e provenientes de Programas de Pós-Graduação de instituições de ensino superior brasileiras.

Após a pesquisa, foram encontrados como resultados 1.747 obras, das quais, após análise criteriosa, 33 dissertações foram pré-selecionadas por enquadrar direta ou indiretamente os critérios propostos nessa investigação. Deste modo, os conteúdos selecionados foram lidos, analisados e categorizados, sendo excluídos os que não contemplaram os recortes temporal e temático, através dos descritores previamente estabelecidos nos critérios de inclusão.


Resultados

Com o intuito de determinar o papel das hashtags no movimento feminista através do ativismo digital, foi realizada uma coleta de dados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no período de agosto a setembro de 2024. Durante a investigação, foram encontradas 1.747 dissertações relacionadas direta ou indiretamente à temática proposta. Todas foram analisadas, sendo excluídas 1.714, por não se enquadrar nos parâmetros já mencionados do recorte. 

Do total de obras encontradas, 33 dissertações foram pré-selecionadas para leitura, abordando perspectivas que envolviam as lutas feministas. Destes, verificou-se que: 15 abordavam aspectos concernentes a mídias sociais; 9 investigaram o ativismo digital por meio do webjornalismo; e finalmente, 9 destas dissertações buscaram compreender a influência das hashtags na militância feminista. 

Uma vez lidas, interpretadas e fichadas, as dissertações sofreram mais uma triagem, dos quais 9 do total dos trabalhos analisados, contemplavam todos os aspectos concernentes a delimitação temática e aos objetivos propostos. 

Importante salientar que destas 9 investigações, 3 faziam parte de Programas de Pós-Graduação em Comunicação, correspondendo a 33,3% do total dos trabalhos selecionados e caracterizando-se como a área de maior concentração de interesse na temática pesquisada.

Abaixo, a identificação das 9 dissertações eligidas, bem como, o Programa de Pós-Graduação ao qual integram, acompanhadas da descrição temporal e temática de cada uma, conforme descritas nota Tabela 1, que se segue: 

Tabela 1

Caracterização dos artigos selecionados na BDTD para o recorte

AUTOR

 

 

PPG

ANO

TÍTULO DO ARTIGO

Braz, A.T.Z.

 

 

Comunicação

2023

É POLÍTICO: as estratégias político-comunicativas da mobilização #ExposedCG

Santos, L.M.T.

 

 

Humanidades Digitais

2021

Fundamentos morais e características em expressões textuais de grupos antagônicos no Twitter

Terra, C.

 

 

Comunicação

2019

O feminismo e a disputa de narrativas na eleição presidencial de 2018: um estudo de caso de #Elenão como mobilização online das mulheres contra Bolsonaro.

Passos, N.L.R.

 

Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional

2019

#Elasótem16anos: análise discursiva crítica de postagens em rede social sobre caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro.

Oliveira, P.G.

 

 

Estudos da mídia

2021

 

Elas que narram: uma análise dos comeantários no Twitter sobre a narração de mulheres no Campeonato Brasileiro de 2021

Martins, A.B.

 

 

Estudos Culturais

2023

 

Primavera nas redes: conexões e lutas no Sul Global feminista em NiUnaMenos, UnVioladorEnTuCamino e EleNão.

Dieminger, C.C.

 

 

Direito

2022

Democracia participativa: ciberfeminismos contra a violência sexual e seus reflexos na biopolítica.

Romeiro, N.L.

 

 

 

Ciência da Informação

2019

Vamos fazer um escândalo: a trajetória da desnaturalização da violência contra a mulher e a folksonomia como ativismo em oposição a violência sexual no Brasil.

 

Costa, E.L.

 

 

 

Comunicação

2023

Fotoativismo e fotojornalismo nas eleições de 2018: contra-hegemonia da mensagem fotográfica no Instagram da Mídia NINJA.

Nota. Fuente: Autor (Salvador, 2024).


Discussão e conclusões

Muitas mulheres vêm utilizando a tecnologia para ressignificar contextos tóxicos e misóginos. Essa assertiva pode ser apreciada por meio da utilização de hashtags, isto é, palavras-chave que conectam usuários e temáticas por meio das redes sociais.

Nesse sentido, ao buscar compreender o papel das hashtags e do ativismo digital no contexto do movimento feminista atual, busca-se igualmente aprender a utilizar essa ferramenta como aliada ao enfrentamento da violência contra a mulher. 

Para tanto, por meio das 9 dissertações descritas nesse estudo e selecionadas para análise, deu-se origem a duas categorias distintas, sendo a primeira centrada no ativismo digital em mídias sociais, abordando um panorama geral, fornecido pelas dissertações selecionadas; e a segunda categoria centrada nos impactos fomentados pela campanha eleitoral de 2018, cuja hashtag #elenao despertou o interesse de muitos estudiosos, uma vez que deu início a uma mobilização cheia de controvérsias, como se pretende observar.

Categoria 1 - Ativismo digital nas lutas feministas

O avanço do movimento feminista é dividido por muitos autores, como ondas, que se intensificam e provocam mudanças. Diante dessa perspectiva, o ciberfeminismo estaria situado na quarta onda do Feminismo, sendo a que atualmente atravessamos. 

Nesse sentido, a pesquisa em Direito de Clerici Dieminger (2022), buscou compreender a “Democracia participativa: ciberfeminismos contra a violência sexual e seus reflexos na biopolítica”. Através do método hipotético-dedutivo de Karl Popper, Dieminger (2022) questionou: “poderiam ciberfeminismos contrários à violência sexual refletirem na biopolítica e auxiliarem, por conseguinte, no desenvolvimento da democracia participativa?”. A autora acredita que sim.

Para a Dieminger (2022), o ciberfeminismo deu voz e unificou as diversidades de feminismos anteriores, facilitado a promoção e difusão do movimento, assim como, das pautas defendidas. Para embasar sua perspectiva, a autora analisa o cenário brasileiro, no qual o ativismo digital galgou mudanças significativas por meio de hashtags. 

Nesse sentido, Dieminger (2022, p.84) observa que:

Essa última onda vem reverberando com mais força na atual década, especialmente a partir de 2015, período marcado pela primavera feminista brasileira. Por fim, realizou-se o estudo de caso, em que a manifestação ampla da cidadania “Fora, Cunha!” refletiu na biopolítica por, especialmente, impedir que fosse votado em plenário o Projeto de Lei 5069/2013, ameaçador dos já escassos direitos protetivos à violência sexual, além de conseguir a perda do mandato de Deputado Federal de Eduardo Cunha. As outras quatro mobilizações estudadas, #PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto; #PeloFimDaCulturaDoEstupro; e #CarnavalSemAssedio, reconhecidas como ações-manifesto socioculturais, demonstraram alcance na biopolítica ainda maior, com a culminação da criação da Lei Ordinária 13.718/2018. Atribuiu-se, especialmente, às campanhas aliadas #EstuproNuncaMais e #PeloFimDaCulturaDoEstupro, o mérito de instigar a parte dessa lei que se refere à divulgação de cenas de estupro e ao estupro coletivo.

Em análise à criação do tipo penal de importunação sexual, Dieminger (2022, p.84) pondera que não se evidenciou apenas “(...) um único ciberfeminismo em destaque, entendendo-a como resultado de uma pressão pulverizada, necessária para repercutir tal efeito na biopolítica brasileira, através de mobilizações como #PrimeiroAssedio, #MeuAmigoSecreto e #CarnavalSemAssedio”, informa.

A atora dedica todo um capítulo voltado para a compreensão dos ciberfeminismos analisando inúmeras campanhas realizadas via internet insurgentes à violência sexual contra as mulheres, bem como, suas repercussões na biopolítica. Para tanto, a autora se utilizou de diversas hashtags.

Como conclusão, após uma extensa e intrigante investigação, Dieminger (2022, p.113) corrobora a hipótese de que sim, “ciberfeminismos contra a violência sexual refletem na biopolítica e auxiliam, por conseguinte, no desenvolvimento da democracia participativa”. 

A autora defende que “(...) o reforço de alicerces e valores democráticos demonstrar-se imprescindível para tolher retrocessos e opressões sociais, como as vivenciadas pelas mulheres em decorrência da cultura patriarcal cujo poder percorre inclusive instâncias governamentais”, no que o ciberfeminismos exerce um papel de fundamental importância na luta contra a violência e por direitos igualitários (Dieminger, 2022, p.113) 

Direitos esses que, por séculos foram negados, uma vez que “(...) as distinções sociais entre gêneros foram naturalizadas por um determinismo biológico que reforçou relações de dominação e a definição de espaços destinados aos homens e mulheres”, pondera Oliveira (2023, p.14). Nesse sentido, o autor observou que, na prática esportiva, as diferenças biológicas foram utilizadas não apenas para justificar, mas para delimitar a atuação entre os diferentes sexos.

Diante dessa problemática, em sua dissertação em Estudos da Mídia, Oliveira (2023) buscou compreender o comportamento de perfis misóginos do Twitter acerca da participação de mulheres na narração de jogos de futebol durante a transmissão do Campeonato Brasileiro, no ano de 2021. Sua investigação revela aspectos de grande valia, gerando debate acerca da atuação de mulheres em espaços tipicamente masculinos, como o jornalismo futebolístico.

Para tanto, o autor dividiu sua investigação em duas partes distintas, realizando inicialmente um levantamento bibliográfico de dados e revisão integrativa sobre questões relativas a gênero e participação de mulheres jornalistas durante as transmissões esportivas. Por fim, realizou uma análise temática a partir de hashtags utilizadas em redes sociais, sendo coletados para apreciação um total de 4246 comentários, durante jogos narrados por duas jornalistas, em um período de seis meses. 

Dentre as hashtags delimitadas para a coleta, estão aquelas utilizadas no Campeonato Brasileiro (série A e B) pelas duas emissoras: #brasileiraonosportv #brasileiraonopremiere #seriebnopremiere #seriebnosportv. Essas hashtags são apresentadas nas transmissões das partidas e ficam disponíveis no canto superior direito da imagem de transmissão. Além disso, durante a transmissão da partida, o próprio narrador da emissora informa a hashtag do jogo, convidando os espectadores a interagir nas redes sociais digitais, utilizando as hashtags, durante as partidas de futebol (Oliveira, 2023, p.56).

Em seus estudos, Oliveira (2023) reuniu discursos de violência e preconceito contra essas profissionais que ocupavam lugares predominantemente masculinos, como é o caso do jornalismo esportivo.

Para o autor, é uma falácia a afirmação de que homens e mulheres ocupam espaços iguais na sociedade e destaca o meio esportivo como exemplo, tendo em vista que a predominância masculina ainda é marcante. 

Nesse sentido, o Oliveira (2023, p.15), provoca:

Um levantamento - realizado pela revista ‘France Football’, em abril de 2019, e, reproduzido pela revista VEJA - demonstrou a desigualdade salarial entre homens e mulheres no futebol. A revista montou um ranking dos maiores salários no esporte, tanto no futebol masculino, quanto no futebol feminino. Com a análise, foi possível identificar, por exemplo, que o jogador Neymar, na época do levantamento, recebia um salário anual referente a 396 milhões de reais. Dessa forma, o salário do jogador era 269 vezes maior do que Marta, que foi eleita seis vezes como a melhor jogadora do mundo. A jogadora recebia, por ano, o salário de 1,47 milhão de reais. Se as oportunidades são díspares no campo, elas são também na cobertura, seja nos salários ou nas possibilidades de inserção no jornalismo esportivo.

Importante destacar que a violência contra as mulheres pode se evidenciar de formas variadas. Segundo Oliveira (2023, p.58), “apesar da violência física ser a mais conhecida, pois é uma conduta que ofende a integridade ou saúde corporal da mulher, sendo visível aos olhos da sociedade, a violência de gênero também pode ocorrer de forma silenciosa”. 

Desse modo, o autor entende que há violência presente nos comentários analisados em sua investigação. Para provar sua assertiva, Oliveira (2023, p.71) disponibiliza ao longo da dissertação, dezenas de imagens reportando fatos aterradores, dentre os quais foram “(...) 842 comentários expressamente negativos, com o intuito de atingir as narradoras”.

Seus estudos provaram que o preconceito e os ataques contra narradoras são evidentes, relatando que tais agressões, recolhidas por meio da plataforma digital Twitter, se deram tanto de forma velada quanto escancarada. De acordo com o autor, os discursos reproduzidos contra as mulheres em sua maioria são de cunho machistas, misóginos e preconceituosos pelo fato destas mulheres atuarem em funções que eram desempenhadas predominantemente por homens (Oliveira, 2023) 

Oliveira (2023, p.71) acredita que “a luta para que ocorra a diminuição de ofensas contra mulheres envolve muita desconstrução do conservadorismo”, mas que, no entanto, tal mudança é iminente e irrefreável, tendo em vista que as mulheres estão inseridas em todos os contextos antes exclusivamente femininos, como o futebol, onde, afirma o autor, “antigamente a mulher não tinha nem vez e nem voz”. 

E é justamente aqui que o ativismo digital evidencia sua utilidade e ganha não apenas voz, mas, espaço de atuação, como pretendeu abordar a pesquisadora Ariadna Braz (2023), cuja dissertação em Comunicação, intitula-se: “É político: as estratégias político-comunicativas da mobilização #ExposedCG”. 

A autora analisou as principais estratégias político-comunicativas presentes nos relatos pessoais da hashtag #ExposedCG -, que, segundo suas palavras: “(...) integra uma estratégia para assumir o controle das narrativas perante as opressões e as violências que lhes são cotidianas, sejam elas físicas, morais, sexuais, psicológicas, patrimoniais ou simbólicas” (Bráz, 2023, p.15)

Nesse sentido, Braz (2023) define as hashtags como ferramentas de comunicação, popularizadas nos principais sites de redes sociais, em função do que denomina “Trending Topics”, ou seja, uma lista atualizada das hashtags que alcançaram mais engajamento no dia, de modo a estimular a participação dos usuários da rede nas temáticas mais populares de um determinado nicho. 

Para Braz (2023), a compreensão dos conteúdos discutidos por meio da hashtag #ExposedCG é de grande relevância no que refere a construção do debate sobre a violência sexual, uma vez que tal ato culminou na denúncia do ex-prefeito Marquinhos Trad, acusado por dezesseis mulheres por crimes como favorecimento à prostituição, assédio sexual e tentativa de estupro.

Braz (Bráz, 2023, p.18) defende que:

Assim posto, é importante destacar a necessidade de tomada de consciência da condição e das vulnerabilidades que atravessam diferentes grupos de mulheres para o rompimento com o regime de autorização discursiva e a hegemonia de fala característica de grupos privilegiados, algo percebido a partir dos relatos indexados à #ExposedCG. Soma-se a isso também a necessidade do desenvolvimento de uma consciência política acerca das experiências pessoais e do agendamento de um debate, no qual o que se passa na esfera privada e doméstica é reflexo das diferentes relações de poder que atravessam as realidades femininas, uma noção difundida como "o pessoal é político" que vem a dar nome a esta dissertação (Bráz, 2023, p.18).

A autora acredita que grande parte da disseminação do movimento feminista contemporâneo está relacionada diretamente a popularização do acesso à internet e ao fenômeno das redes sociais, que viabilizou a distribuição de conteúdo e a conexão de diferentes grupos sociais. 

Outrossim, no que tange a mobilização feminina, a autora salienta que esses espaços virtuais possibilitaram profundas e importantes transformações na organização política destes movimentos sociais, bem como, o surgimento de novas formas de sociabilidade, tanto no que se refere a criação de um ambiente seguro para atuação ativista, quanto para a divulgação das pautas defendidas nesses espaços (Bráz, 2023)

Através de uma revisão de literatura documental, a autora questionou: “quais são as potencialidades e limitações que as redes sociais oferecem para os movimentos ativistas e como a comunicação em rede favorece a participação de mulheres campo-grandenses em mobilizações feministas no X/Twitter?” Nesse sentido,

Para aplicação de tais técnicas, reunimos 2.060 tweets indexados à hashtag, dos quais 1.705, publicados entre os dias 1º e 2 de junho, foram compilados em cinco categorias analíticas com base na análise de protocolos de pesquisa utilizados no estudo de outras mobilizações, contabilizando 1.113 tweets na categoria Opinião (65,3%), 353 tweets na categoria Experiência (20,7%), 146 tweets na categoria Midiatização (8,6%), 55 tweets na categoria Pedagogização (3,2%) e 38 tweets na categoria Convocação (2,2%). Tais resultados revelam a importância de chamadas de ação; a incitação da empatia e da solidariedade; o papel da criação de narrativas contra-hegemônicas e de um jornalismo de subjetividade; e a apropriação de produtos midiáticos, como séries, filmes, livros e podcasts, com intuito de popularizar o movimento feminista. 

Como conclusão, Braz (2023) acredita que conseguiu evidenciar os prós e contras dos sites de redes sociais voltados para as mobilizações feministas, e que sua investigação contribuiu para o mapeamento “(...) de nove aspectos presentes em manifestações no X/Twitter que estimulam a adesão das participantes”, bem como, para a formulação de novas campanhas que visam o enfrentamento da violência contra a mulher, potencializando o ativismo digital e os movimentos sociais em rede. 

Outrossim, com o tema “Vamos fazer um escândalo: a trajetória da desnaturalização da violência contra a mulher e a folksonomia como ativismo em oposição a violência sexual no Brasil”, Nathália L. Romeiro (2019), verificou que situações relacionadas a violências de gênero, especialmente a violência sexual, tem sido silenciada e negligenciada por autoridades estatais, em razão da estrutura patriarcal na qual nos situamos. 

            Para a autora, as denúncias realizadas por meio da mídia social Facebook talvez “(...) possam ser uma resposta à ineficiência do Estado no que se refere às políticas públicas que deveriam proteger e tratar as mulheres vítimas de violência sexual”. Outrossim, defende que os espaços virtuais disponibilizados pelas mídias sociais, não só podem como contribuem beneficamente para “(...) a formação de redes de apoio e empoderamento das mulheres em oposição ao machismo e cultura do estupro”, afirma Romeiro (2019, p.18).

A autora motivou-se pelo questionamento: “Quais as formas de ativismo utilizado pelas mulheres em forma de denúncia em ambientes alternativos (Facebook e Twitter) de comunicação?”. Nesse sentido: 

Partimos do pressuposto de que a maioria das mulheres busca informações pela internet (em sites oficiais das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher - DEAM e em grupos de apoio no Facebook e perfis no Twitter) ou com parentes e amigos de sua confiança. Diante disto, completaremos parte desta dissertação com os estudos sobre cultura de algoritmos e vigilância, sobretudo, para buscar o entendimento do funcionamento da tecnologia que envolve a filtragem e interação de informações que formam redes de apoio nas mídias sociais. Também serão contemplados os estudos sobre organização do conhecimento, especialmente sobre teoria do conceito e folksonomia para analisar a estrutura dos conceitos que norteiam a violência sexual (assédio sexual, estupro, pedofilia, exploração sexual e feminicídio) e para mapear as postagens/denúncias feitas no Facebook a partir da análise das Hashtags #primeiroassedio, sobre pedofilia e #mexeucomumamexeucomtodas sobre assédio sexual no ambiente de trabalho (Romeiro, 2019, p.18).

            Após uma extensa e detalhada investigação, Romeiro (2019) chegou à conclusão de que tanto o machismo quanto o patriarcado atingem a sociedade como um todo, o que inclui os homens, evidenciando o apoio que estes deram ao movimento investigado. Segundo a autora, o ativismo nas mídias sociais é tão salutar quanto relevante para que o silencio das mulheres seja rompido, e para que elas encontrem espaços seguros onde possam desabafar sobre os casos de violência sofrida e, por esse meio, formarem redes de apoio e acolhimento.

Finalmente, ao verificar os casos de violência sexual e contra a mulher, a utilização das hashtags investigadas “(...) não expôs os abusadores, logo não houve nenhum tipo de punição moral direcionada a determinado algoz (exceto no caso de homens famosos na TV aberta). O objetivo da campanha foi, portanto, o desabafo, pautado no compartilhamento de dores e formação de redes de apoio”. (Romeiro, 2019, p.155)

Finalmente, com o tema “#Elasótem16anos: análise discursiva crítica de postagens em rede social sobre caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro”, Passos (2019) investiga um crime que chocou o Brasil em 2016. O estupro coletivo de uma adolescente de apenas dezesseis anos por trinta e três (33) homens. O crime foi filmado e veiculado através de mídia social. 

            Para Passos (2019, p.9), cujo programa de pós-graduação situa-se em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, “(...) os modos como se representam questões de gênero e violência têm influência sobre os modos como a sociedade reage a essas questões, inclusive em termos das propostas de políticas ou ações públicas resultantes de eventos de violência e sua repercussão”. 

Nesse contexto, considerou:

O caso de violência que elegi para a pesquisa se destacou pela crueldade contra a jovem agredida e pelo relevo social que alcançou, causando grande comoção no país. O caso se tornou conhecido e denunciado em razão da divulgação no Twitter de um vídeo 1 registrando o estupro, gravado por um dos agressores. Comentários na imagem sugeriam que a adolescente teria sido estuprada por mais de 30 homens. Desta maneira, a adolescente em tela foi alvo de dois crimes: o estupro coletivo e sua gravação e divulgação (Passos, 2019, p.9). 

Importante ressaltar que a repercussão desse caso teve início nas redes sociais para somente então receber a devida atenção das autoridades. De acordo com Passos (2019, p.13), após chocar toda a sociedade brasileira por meio da crueza das imagens transmitidas “(...) houve uma onda de reação de usuárias/os das redes sociais, de veículos da mídia, de grupos de ativistas pelos direitos humanos, de grupos militantes pelos direitos das mulheres, de grupos feministas e do poder público”.

Por meio da hashtag #Elasótem16anos, marchas foram organizadas por grupos feministas e campanhas de conscientização foram iniciadas visando instruir e combater o machismo e a cultura de estupro. As mobilizações serviram como mola propulsora para uma ação mais firme das autoridades públicas, que diante da pressão social se viu obrigada a agir, no que:

O governo federal realizou reunião com 27 secretários de Segurança Pública em 31 de maio de 2016, para tratar o tema. O choque da sociedade com o ocorrido chegou a membros do legislativo, que organizaram audiências públicas, realizaram pronunciamentos em plenário e incluíram o caso na pauta do Projeto de Lei do Senado (PLS) 618/2015, da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). O PL foi aprovado em comissão em 31 de maio de 2016 (dez dias depois dos crimes) e remetido para apreciação na Câmara dos Deputados (Passos, 2019, p.9).

     Ao longo de sua investigação, estruturada em duas fases distintas, pautando-se na análise sobre as abordagens teórico-metodológicas de discurso crítico, com foco em análise interdiscursiva de políticas públicas, Passos (2019) chega à importante conclusão de que:

Apesar de toda a manifestação discursiva a favor de ações para educar a sociedade sobre igualdade de gênero, que são apontadas como uma das soluções para a redução da violência contra mulheres, o que foi observado nesta dissertação foi a concentração das ações para a concretização de outra proposta: o estabelecimento de medidas punitivas mais rígidas (Passos, 2019, p.152).

Para Passos (2019, p.152), esse fato “(...) não pode ser interpretado fora do quadro de recrudescimento de discursos conservadores no Brasil, especialmente voltados para o âmbito da educação e a temática das relações de gênero”. Diante do exposto, fica evidente que a solução adotada visava uma resposta emergencial, paliativa. 

Concordamos com a autora quando afirma que tais medidas não constituem soluções e que a educação é base fundamental para a mudança do atual panorama de violência contra a mulheres que se estende no país de maneira alarmante ao longo dos séculos.

Categoria 2 – A hashtag #elenao

Para Santos (2021, p.1), “a linguagem usada pelos indivíduos é um reflexo dos seus pensamentos, emoções, valores, cultura e é uma forma de comunicação e interação com outros membros da sociedade”. 

Nesse sentido, a dissertação de Larissa M. T. Santos (2021, p.2), do Programa de Pós-Graduação em Humanidades Digitais, buscou compreender as “expressões textuais criadas em ambiente virtual de interação social (rede social Twitter) ; caracterizar esses textos; e analisar associações da linguagem usada nesses registros textuais com os valores morais definidos na Teoria dos Fundamentos Morais”, conforme descreve. 

Nesse sentido, a autora afirma que:

Após as análises quantitativa e qualitativa do objeto de estudo composto pelos textos representados pelas hashtags #fechadocombolsonaro e #forabolsonaro, do período de 04 a 20 de Abril de 2020, constatou-se que o antagonismo de enunciados do cenário extralinguístico associado à figura do Presidente Jair Bolsonaro também aconteceu dentro da rede social Twitter. Foi identificado prevalência de fundamentos morais característicos da visão política conservadora no grupo #fechadocombolsonaro (Lealdade e Autoridade), e alguns fundamentos da visão política liberal no grupo #forabolsonaro (especificamente, Fundamento do Dano que, nos experimentos realizados, corresponde ao vício do Fundamento do Cuidado). Considerando que fundamentos morais divergentes significam preocupações morais diferentes, então inferiu-se que críticos e apoiadores de Jair Bolsonaro tendem a preocupar-se com assuntos diferentes, e por isso o estabelecimento de uma efetiva comunicação entre esses grupos ou não acontece, ou acontece de forma enfraquecida.

Embora a análise de Santos (2021), esteja centrada na compreensão das hashtags como ferramenta do ativismo social feminista, base desta investigação, o foco de sua compreensão não está voltado para a violência de gênero, mas, para os mecanismos morais desempenhados pelas linguagens usuais em mídias sociais, bem como, o impacto e influência que exercem, não se enquadrando plenamente no recorte proposto nesse estudo. 

O mesmo ocorre com a dissertação de Costa (2023), intitulada “Fotoativismo e fotojornalismo nas eleições de 2018: contra hegemonia da mensagem fotográfica no Instagram da Mídia NINJA”, de Programa de Pós-graduação em Comunicação. 

O trabalho analisa o poder das hashtags no contexto do ativismo digital nas mídias sociais, com o uso da hashtag #elenao, que mobilizou toda uma campanha contra o candidato Jair Bolsonaro entre 2017 e 2018. Sua investigação traz profundas reflexões sobre a temática em debate, entretanto, não se aprofunda na problemática feminista.

No entanto, embora esses dois estudos não priorizem as questões prementes à violência de gênero, intrínseco a essa investigação, é sabido que a mobilização proveniente da campanha #EleNão foi de cunho originalmente feminista. Portanto, estes estudos apoiam e complementam a assertiva de que as hashtags são ferramentas eficientes no tocante ao ativismo digital, inclusive, no desenvolvimento de estratégias políticas, como se pôde observar.

Diante do expresso, destaca-se Terra (2019), cuja dissertação Mestrado em Ciência da Informação, investiga “O feminismo e a disputa de narrativas na eleição presidencial de 2018: um estudo de caso de #Elenão como mobilização online das mulheres contra Bolsonaro”. 

Por meio de uma revisão de literatura, a autora buscou identificar a relação entre a mobilização #EleNão e o resultado da Eleição Presidencial de 2018, partindo da perspectiva da disseminação da informação na rede social Twitter. 

Terra (2019, p.14) reflete que:

Nesse sentido, observa-se que o uso das redes sociais nas manifestações coletivas coloca uma nova questão para as teorias sociais: tecnologias digitais permitem novas formas de engajamento político que antes não estavam previstas. Isso reflete em um novo momento não só para os partidos políticos, mas também para os movimentos sociais e grupos identitários como o das mulheres. Não por acaso, as redes sociais tiveram papel fundamental na Eleição Presidencial de 2018 e foi palco da manifestação online, o movimento #EleNão, que reuniu mais de 1,9 milhões de menções no Twitter durante o período eleitoral.

De acordo com sua perspectiva, a noção de pertencimento, de identidade e o sentimento latente de dívida histórica, encontram nas redes sociais ferramentas que viabilizam a organização e mobilização política.  Para Terra (2019, p.14), “é nesse contexto que as discussões sobre igualdade de gênero vêm ganhando espaço na esfera pública nos últimos anos em todo o mundo, configurando o que se chama de quarta onda do feminismo, ideia desenvolvida no livro ‘Explosão Feminista’”, define.

Esse fato fica evidente nas eleições de 2018, quando a disputa se torna cada vez mais polarizada e indefinida, e os votos das mulheres passou a ser o alvo dos candidatos. Nesse contexto surgem levantes como “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, criado em agosto de 2018 no Facebook; como reação, cria-se o grupo oponente "Mulheres Unidas a Favor do Bolsonaro"(Terra, 2019, p.16). A autora define que:

O uso da hashtag #EleNão se transformou, desde então, em um símbolo da disputa de narrativas acerca das mulheres – e mais objetivamente dos votos das mulheres –, reunindo eleitores diversos em uma mobilização online que chegou ao número de 1,9 milhão de menções no Twitter até o final do período eleitoral de 2018 (Terra, 2019, p.16).

Nesse traçado, Terra (2019, p.81) conclui que:

Com a relevância das eleitoras mulheres e o cenário de decisão tardia de voto das mulheres, o movimento feminista #EleNão se tornou um campo de disputa de narrativa. Com isso, o movimento perdeu sua expressividade como pauta feminista e ganhou o lugar de oposição à Bolsonaro, colocando-o como figura central do discurso do movimento. Os dados apontaram a relação entre a mobilização online e as pesquisas de intenção de votos, e revelaram o impacto do movimento nos votos das mulheres, fator que mais definiu os votos totais na reta final das Eleições de 2018. E, na discussão dos dados, vimos que as manifestações nas ruas e a cobertura midiática desses eventos foram o ponto de virada que definiram os votos, o que colocou em questão as narrativas em disputa. Nesse sentido, a construção do antagonismo entre a luta das mulheres e os 81 interesses do Brasil polarizaram ainda mais o clima, colocando o Brasil (#EleSim) contra o feminismo (#EleNão).

Destaca-se a dissertação de Terra (2019) como um excelente discurso sobre a força e a relevância das redes sociais na militância das minorias e na sociedade como um todo. De acordo com a autora, “descobrimos que a hashtag #Elenão foi simultaneamente um ponto unificador, do ponto de vista das bandeiras progressistas, e segregador, do ponto de vista dos da tomada de decisão dos votos das mulheres”, conclui (Terra, 2019, p.81).

Finalmente, Aime B. Martins (2023), do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais, dissertou acerca da “Primavera nas redes: conexões e lutas no Sul Global feminista em NiUnaMenos, UnVioladorEnTuCamino e EleNão”.

Por meio de análise documental, dividida em três eixos, Martins (2023) explorou a contribuição dos feminismos transnacionais a partir de uma perspectiva decolonial para o espaço público globalizado, tecendo uma crítica interseccional à modernidade, ao mesmo ponto que busca expor a violência com que o corpo-território das mulheres estão submetidas. 

Para tanto, Martins (2023, p.17), analisa hashtag #ElasPodem, “(...) com a qual criou uma página no Facebook e Instagram para divulgar nossas ações e nos conectar com mais sujeitas e atrizes sociais interessadas em promover o movimento”

Pautas como a representatividade feminina nos espaços políticos e combate às diversas formas de violência de gênero estiveram presentes desde o início do movimento e em razão disso, em agosto de 2020, o Elas Podem recebeu o convite para participar da Campanha Nacional Vote em Mulheres (#VemVoteEmMulheres), organizada pelas atrizes sociais Elas no Poder, Vamos Juntas, Vote Nelas e Engajamundo, em colaboração com mais de 30 coletivos de mulheres em todo Brasil, a fim de conscientizar a importância do voto em mulheres, dar visibilidade às candidaturas de suas integrantes e denunciar a violência política de gênero sofrida pelas mulheres nesse processo. Nos anos de 2021 e 2022 a temática da pobreza menstrual foi o destaque das nossas ações que se ampliaram em múltiplas frentes: arrecadação e distribuição de absorventes descartáveis; ações educativas em escolas e comunidades vulneráveis; mobilização popular pela aprovação do projeto de Lei 6.662/2021, do município de Campo Grande – MS, que prevê a distribuição gratuita de absorventes para todas as estudantes de baixa renda da rede municipal de ensino; e, incidência política junto ao governo estadual para redução dos tributos incidentes nos absorventes (Martins, 2023, p.17).

Nesse sentido, Martins (2023) prova que as hashtags podem mobilizar toda uma sociedade em prol de um sistema de melhorias, servindo como uma poderosa aliada no alicerce de políticas públicas, no que a autora assegura que: “os movimentos sociais utilizam as hashtags como forma de recusar uma espécie de hierarquização, uma recusa do poder estabelecido e a produção abundante de narrativas online compartilhadas faz parte dessa luta contra o poder”. 

Diante do expresso, sabendo-se que as conquistas feministas foram galgadas gradualmente, por meio de um intenso movimento social, evidenciou-se que com os avanços tecnológicos, a luta por direitos e igualdade ganhou celeridade e efetividade, uma vez que o ativismo digital, permitiu que mulheres de diferentes partes do mundo se conectassem e se apoiem mutuamente, criando um espaço seguro para debate, em que antes só havia silencio. 

Outrossim, notou-se que as redes sociais têm sido fundamentais para a disseminação de informações, mobilizações e organização de protestos e campanhas organizadas, o que tem provocado mudanças significativas em todo o mundo, respondendo à pergunta de investigação elencada nesse estudo, que questionou a influência das hashtags no ativismo digital feminista.

Por meio dos dados analisados e das dissertações discutidas, compreendeu-se por fim, que as hashtags tem operado como um mobilizador social capaz de desenvolver mudanças reais na sociedade, tendo como principal caraterística a união de um determinado grupo em prol de uma causa em comum. 

Deste modo, o objetivo geral de determinar o papel hashtags no movimento feminista através do ativismo digital foi alcançado, uma vez que ficou provado que o ciberfeminismo tem representado um avanço expressivo na luta pela igualdade de gênero e na conscientização da violência contra a mulher. 

Embora longe do ideal, as mulheres estão cada vez mais engajadas, emancipadas e unidas, rompendo antigos padrões e estereótipos. E muito desses fatos se deve a força das mídias sociais. 


1Brutal assassinato com estupro de adolescente reacende luta contra o feminicídio na Argentina. El País (internet). Buenos Aires - 20 Oct 2016. Disponível em: Brutal assassinato com estupro de adolescente reacende luta contra o feminicídio na Argentina | Internacional | EL PAÍS Brasil (elpais.com) . Acesso em: 10 de Set de 2024.

2Embora o movimento "Me Too" tenha ido criado pela ativista Tarana Burke, presidente da ONG Just Be, Inc., em 2006, com o intuito de apoiar vítimas jovens e negras, dando voz a essas mulheres e, ao mesmo tempo, apoio, mostrando-lhes que elas não estavam sozinhas.

3BBC News Brasil: O que é o Me Too, movimento que nasceu nos EUA e catapultou denúncias de assédio sexual pelo mundo. Disponível em: Me Too: o que é o movimento que nasceu nos EUA e catapultou denúncias de assédio sexual pelo mundo - BBC News Brasil . Acesso em: 19 de Set de 2024.

4BBC News: 'Só o sim é sim': por que lei de consentimento sexual causa polêmica na Espanha. Internet: 27 agosto 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62703308 . Acesso em: 15 de Ago de 2024.

5CartaCapital (internet: 2022). ‘Só sim é sim’: Espanha endurece a legislação contra a violência sexual. Disponível em: 'Só sim é sim': Espanha endurece a legislação contra a violência sexual – Mundo – CartaCapital . Acceso em: 15 de Ago de 2024.


Referências

Ariadna, T. Z. (2023). O pessoal (2023). é político: as estratégias político-comunicativas da mobilização #ExposedCG. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-graduação em Comunicação. https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/7862

Assis, C. de (11 de abril de 2017). Feminicídio de ativista de movimento Ni Una Menos choca Argentina: Principal suspeito já havia sido condenado por dois estupros, mas teve liberdade condicional concedida por juiz. Revista Brasil de Fatohttps://www.brasildefato.com.br/2017/04/11/feminicidio-de-ativista-de-movimento-ni-una-menos-choca-argentina 

Costa, E. L. (2023). Fotoativismo e fotojornalismo nas eleições de 2018: contra-hegemonia da mensagem fotográfica no Instagram da Mídia NINJA. Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/15559 

Dieminger, C. C. (2022). Democracia participativa: ciberfeminismos contra a violência sexual e seus reflexos na biopolítica. Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/20895 

Leal, A. (2014). Criadora da campanha "Não mereço ser estuprada" quer debater políticas públicas. Agência Brasil – Brasília. https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-03/criadora-da-campanha-nao-mereco-ser-estuprada-quer-debater 

Martins, A. B. (2023). Primavera nas redes: conexões e lutas no Sul Global feminista em NiUnaMenos, UnVioladorEnTuCamino e EleNão. Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/5741

Oliveira, P. G. de (2023). Elas que narram: uma análise dos comentários no Twitter sobre a narração de mulheres no Campeonato Brasileiro de 2021. 111f. [Dissertação Mestrado em Estudos da Mídia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte]. https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/55235 

Passos, N. L. dos (2019). #Elasótem16anos: análise discursiva crítica de postagens em rede social sobre caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro. [Dissertação Mestrado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, Universidade de Brasília]. 

Romeiro, N. L. (2019). Vamos fazer um escândalo: a trajetória da desnaturalização da violência contra a mulher e a folksonomia como ativismo em oposição a violência sexual no Brasil. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://ridi.ibict.br/handle/123456789/1074 

Santos, L. de M. (2021). Fundamentos morais e características em expressões textuais de grupos antagônicos no Twitter. [Dissertação Mestrado em Humanidades Digitais, Instituto Multidisciplinar de Nova Iguaçu, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro]. https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/14060

Terra, C. (2019). O feminismo e a disputa de narrativas na eleição presidencial de 2018: um estudo de caso de #Elenão como mobilização online das mulheres contra Bolsonaro. [Dissertação Mestrado em Ciência da Informação, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro]. http://ridi.ibict.br/handle/123456789/1299