MLS – LAW AND INTERNATIONAL POLITICS (MLSLIP)

http://mlsjournals.com/ MLS-Law-International-Politics

ISSN: 2952-248X

(2024) MLS-Law and International Politics3(1), 102-117. 10.58747/mlslip.v3i1.2747

A PEDRA NO MEIO DO CAMINHO: ONDE O ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA BAHIA TROPEÇA?

Manuela Bonfim Magalhães Conceição
Uniersidad Europeia del Atlantico (Brasil)
manuelabomfim@yahoo.com.br · https://orcid.org/0009-0006-9224-7976

Recebido: 18/04/24 Revisado: 06/05/24 Aceito: 16/05/24

Resumo: Os altos índices de violência contra a mulher no Brasil o colocam em quinto lugar no ranking mundial. Observa-se que, embora o país tenha dado limites a tais práticas por meio da Lei Maria da Penha (2006) e da Lei do Feminicídio (2015), que criminalizava a violência de gênero e tornava o feminicídio crime hediondo, sinalizam que a mera criminalização não é suficiente para a contenção de tais práticas. Malgrado todo em empenho em contrário, uma análise focalizada no Estado da Bahia, apontam que os índices de violência contra a mulher são os mais altos do Nordeste e seguem subindo, incorrendo em pelo menos um caso diário registrado, entre 2022 e 2023. Nesse contexto, essa investigação de revisão de literatura documental, incorporou os métodos qualitativo, dedutivo e comparativo, para verificar em que ponto o enfrentamento à violência de gênero na Bahia tropeça, compreendendo que a criminalização pura e simples do ato de violência não caracteriza uma solução eficiente para conter um padrão até então enraizado no cenário sociocultural do país, sendo imprescindíveis a adoção de ações pautadas na reflexão, debate e conscientização.

Palabras chave: mulher, violência de gênero, enfrentamento, Brasil


THE STONE IN THE MIDDLE OF THE WAY: WHERE DOES THE CONFRONTATION OF GENDER-BASED VIOLENCE IN BAHIA STUMBLE?

Abstract: The high rates of violence against women in Brazil place it in fifth place in the world ranking. It is observed that, although the country has placed limits on such practices through the Maria da Penha Law (2006) and the Feminicide Law (2015), which criminalized gender-based violence and made feminicide a heinous crime, they indicate that the mere Criminalization is not enough to contain such practices. Despite all efforts to the contrary, an analysis focused on the State of Bahia shows that the rates of violence against women are the highest in the Northeast and continue to rise, resulting in at least one recorded daily case, between 2022 and 2023. In this context , this documentary literature review investigation, incorporated qualitative, deductive and comparative methods, to verify at what point the fight against gender-based violence in Bahia stumbles, understanding that the pure and simple criminalization of the act of violence does not characterize an efficient solution to contain a pattern that was previously rooted in the country's sociocultural scenario, making it essential to adopt actions based on reflection, debate and awareness.

Keywords: woman, gender violence, confrontation, Brazil,


LA PIEDRA EN MEDIO DEL CAMINO: ¿DÓNDE TROPIEZA EL ENFRONTAMIENTO A LA VIOLENCIA DE GÉNERO EN BAHÍA?

Resumen: Los altos índices de violencia contra las mujeres en Brasil lo ubican en el quinto lugar del ranking mundial. Se observa que, si bien el país ha puesto límites a tales prácticas a través de la Ley Maria da Penha (2006) y la Ley de Feminicidio (2015), que penalizaron la violencia de género y convirtieron el feminicidio en un crimen atroz, indican que la mera criminalización no es suficiente para contener tales prácticas. A pesar de todos los esfuerzos en contrario, un análisis centrado en el Estado de Bahía muestra que las tasas de violencia contra las mujeres son las más altas en el Nordeste y continúan aumentando, resultando en al menos un caso diario registrado, entre 2022 y 2023. En este contexto, esta investigación de revisión de la literatura documental, incorporó métodos cualitativos, deductivos y comparativos, para verificar en qué punto tropieza la lucha contra la violencia de género en Bahía, entendiendo que la criminalización pura y simple del acto de violencia no caracteriza una solución eficiente. contener un patrón previamente arraigado en el escenario sociocultural del país, por lo que resulta imprescindible adoptar acciones basadas en la reflexión, el debate y la sensibilización.

Palabras-clave: mujer, violencia de género, confrontación, Brasil, Bahía.


Introdução

Um estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), relatou que 84,5% dos brasileiros carregam algum preconceito expresso contra mulheres. Talvez esses dados sejam capazes de explicar a razão pela qual o número de mulheres vítimas de violência é tão alarmante no país [1] (Brasil, 2023). 

De acordo com informações disponibilizadas pela Rede de Observatórios da Segurança, por meio do boletim “Elas Vivem: dados que não se calam”, foram registrados 2.423 casos de violência contra a mulher, somente em 2022. Isso significa dizer que, em um intervalo de cada quatro horas, uma mulher se tornou vítima de violência. Dentre esses dados, 495 foram caracterizados como feminicídios no Brasil (Neves, 2023).

O referido documento apresenta o resultado do monitoramento de sete diferentes estados brasileiros, dentre os quais a Bahia, que registrou o maior número feminicídios, assumindo a liderança da Região Nordeste, com 91 casos e 316 crimes. Esse também foi considerado o estado com maior índice de crescimento em relação à violência de gênero, com ocorrência de ao menos um caso por dia, registrando uma variação de 58% em relação ao último boletim (Neves, 2023). 

Esses dados trazem à tona inúmeros questionamentos, dentre os quais, os fatores que influenciam o aumento de casos de violência e feminicídio no estado. Como resposta, surgem conceitos como “masculinidade tóxica”, que refletem uma série de comportamentos misóginos adquiridos culturalmente e perpetuados ao longo das gerações, na busca de ressignificá-los. Percebe-se, portanto, que para além da criminalização da violência contra a mulher, seria necessário em conjunto, promover uma mudança de comportamento entre gêneros, visando conter o padrão enraizado no cenário social do país. Insta dizer, um salto de consciência. 

Nesse sentido, o Brasil foi escolhido como país-piloto para integrar o Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero, devendo ajustar-se para a adaptação e implementação das normativas e diretrizes nacionais (ONU, 2016). Notadamente, ações como essa, passaram a se desenvolver no Brasil desde 2003, por meio do primeiro Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, no qual estados e municípios se responsabilizaram pela criação de departamentos ou secretarias para tratamento específico do tema. 

Entretanto, malgrado os avanços elencados pela Lei Maria da Penha (2006) e Lei do Feminicídio (2015), dentre outras, nem o país, nem o Estado da Bahia obtiveram resultados expressivos na redução e enfrentamento da violência contra mulher, como se evidenciou. Acredita-se que a criminalização seja fundamental, no entanto, o trabalho de debate, reflexão e conscientização, ainda que não ofereça resultados imediatos, a longo prazo, pode constituir uma solução. 

Diante do exposto, esse artigo de revisão de literatura documental, incorporou o método qualitativo, dedutivo, comparativo, com o intuito de analisar os principais obstáculos para o enfrentamento da violência de gênero no Estado da Bahia, ganhando utilidade como estudo e reflexão multidisciplinar, para uma temática alarmante e que urge solução.

[1] Brasil, A cada quatro horas, ao menos uma mulher é vítima de violência. Rede Observatório de Segurança, 6 de março de 2023. Disponível em: < ELAS VIVEM: A cada 4h uma mulher sofre violência (observatorioseguranca.com.br) >. Acesso em: 26 de Out. de 2023.


Masculinidade e suas relações com a violência de gênero

Relações de gênero 

Historicamente, observa-se que as relações sociais, então fundamentadas na dominação masculina, se basearam em um processo construtivo onde, até o século XVIII, com o monismo sexual, ambos os sexos consideravam apenas um órgão genital, isto é, o masculino. Nesse período, o homem é padrão de perfeição metafísica, no que o feminino, reflete o imperfeito, um ser subdesenvolvido, diferenciado pela capacidade de procriar, razão pela qual seu papel se restringia à esfera privada (de Paula e Rocha, 2019).

Por meio do iluminismo, a imagem da mulher muda, passando do reflexo de um homem subdesenvolvido para sujeito dotado de características próprias, dando início ao processo da diferenciação biológica entre homens e mulheres. Assim, no século XX, por meio dos primeiros estudos feministas, surge o conceito de gênero, que categorizava o masculino e o feminino (de Paula e Rocha, 2019).

Para Cabrera (2023, p.31), debater masculinidades é debater sobre gênero, “categoria, foi criada no discurso biotecnológico da década de 40, quando a medicina buscava definir e adequar visual e discursivamente, por meio de tratamentos hormonais e/ou cirúrgicos, o sexo de bebês nascidos intersexuais”, critica.

No entanto, Teles (2023) alerta que, a partir desse momento, o gênero passa a se converter em uma construção social, segundo a qual pode-se considerar como uma estrutura complexa que engloba as esferas estatal, familiar e individual, por meio da sexualidade. Portanto, o conceito ultrapassa a designação presente nos papéis sociais ou da biologia reprodutiva, no que tanto masculinidade, quanto feminilidade se baseiam em conceitos construídos por meio de padrões culturais, cujo modelo estruturado está submetido à vigilância social. 

Nesse sentido, a masculinidade constitui uma configuração da prática comportamental dos homens a partir das relações de gênero, no que “as performances das masculinidades integram um conjunto de significados e comportamentos que naturalmente marcam as relações”, de acordo com Teles (2022, p.2). Araújo e Santos (2022, p.138), esclarecem que “a masculinidade é tóxica quando os comportamentos tóxicos estão diretamente relacionados ao exercício da masculinidade”.

Portanto, para compreender, a partir da perspectiva de gênero, as relações de violência dos homens contra as mulheres, é imprescindível a inclusão das análises sobre os processos de sociabilidade e socialização masculinas, bem como, o que significa, de fato, ser homem em sociedade (Brasil, 2003).

Diante desse contexto, a masculinidade tóxica corresponde “(...) ao fato de o homem não só praticar ações nocivas e destrutivas consigo, com o outro ou com as coisas do mundo, como também considerar isso como normal e incentivar, propagar, defender ou manter tais práticas”, conceitua Araújo e Santos (2022, p.138).

Ao compreender essa dinâmica, considera-se que:

É através do adestramento dos corpos que se impõem as disposições fundamentais, as que tornam ao mesmo tempo inclinados e aptos a entrar nos jogos sociais mais favoráveis ao desenvolvimento da virilidade:  a política, os negócios, a ciência e a libido social. Esse adestramento social começa na infância e segue por toda a vida, justamente por estar incorporado na cultura. 

(Teles, 2023, p.2)

Circunstancialmente, a categorização entre gêneros masculino e feminino impetrou mudanças sociais consideráveis. Entretanto, ao invés de gerar igualdade de direitos, como suposto, não apenas fundamentou as desigualdades impostas, como também passou a legitimar o processo suposta superioridade masculina, marcando o início das construções polarizadas entre homens e mulheres (de Paula e Rocha, 2019).

Cumpre-se destacar, que os códigos de gênero são internalizados como sendo naturais, “(...) em razão disso, a naturalização dessa categorização torna-se um processo acumulativo, multiplicando e subvertendo padrões socialmente construídos, adverte Teles (2023, p.4).

Retomando ao curso da história, de acordo com Cabrera (2023), por meio da intervenção do movimento feminista, que passou a reclamar seu lugar na sociedade e questionar o gênero masculino, deu-se início a desestabilização de um sistema até então considerado estável. Franco (2018) aponta que, a partir de 1970, as lutas sociais os movimentos feministas ganharam maior visibilidade, por meio da desnaturalização da violência contra a mulher. 

Nesse momento, segundo Magalhães (2023), na política, o processo de atuação da mulher passa a retratar uma realidade deficitária, proveniente de um contexto socialmente construído e que emergia mudanças, ao destacar diferentes formas de exclusão. No entanto, no final dessa mesma década no Brasil, por forças desse mesmo movimento feminista, a mulher assume um papel político e social mais atuante, a partir do qual, com a participação feminina na Constituição de 1988 é reconhecida a conquista formal de igualdade de direitos entre homens e mulheres no cenário brasileiro.

A partir desse processo, tem-se início a luta em prol da proclamada igualdade de gênero, ampliando a discussão dentro do espaço político. Esse movimento incluiu os direitos da mulher na agenda política, em especial, no tocante a responsabilização do poder público para a implantação de políticas públicas, visando garantir direitos e melhoria de vida para essa clientela, o que incluía o fim das diferenças entre os papéis econômicos e sociais entre homens e mulheres (Araújo e Santos, 2022); (Franco, 2018).

No entanto, a falta dessa igualdade ainda se faz presente e é palco de muitas discussões. Teles (2023, p.4) alerta que: “as desigualdades constituem fontes de conflitos, por isso é necessário questionar como esse fato se instaura e naturaliza assimetrias de gênero, dando suporte à hegemonia masculina. A ideia de hierarquia é uma das raízes da violência doméstica”. Partindo desse princípio, compreender esse contexto é imprescindível.

Quando a Masculinidade é tóxica, se torna violência 

Notadamente, a concepção de masculinidade foi aos poucos, sendo reconstruída. Passou a ser aceito e cobrado desse novo homem, novas questões, tais como, a paternidade participativa, a satisfação afetiva e sexual da parceira, maior cuidado com a saúde e a autoimagem, dentre outras demandas antes silenciadas (de Paula e Rocha, 2019).

No entanto, diante das altas taxas de feminicídios, fica evidente que muitos homens não se desprenderam da personalidade cristalizada, não admitindo ceder ou perder o antigo espaço de domínio, passando a se sentir ameaçados. Para esses indivíduos, a forma de solução para tal conflito, é a mesma que, muitas vezes são ensinados quando pequenos, ou seja, por intermédio da violência (de Paula e Rocha, 2019, p.85).

Nesse sentido, tanto Teles (2023) quanto de Paula e Rocha (2019) apontam para o fato de que, até os dias atuais, a maior parte dos homens parece ainda manter sintomas de uma masculinidade toxica, que os restringe e impede de abandonar antigos comportamentos, com o intuito de os ressignificar.

De acordo com o Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher, presentes no Plano Nacional, fomentado em 2003, estudos apontam um número significativo de mulheres que afirmam ter sido vítimas de violência física exercida por seu parceiro em toda américa latina, onde, em alguns países, o percentual de mulheres chegou a 50%, até o ano de 2000. 

De acordo com o documento, “no Brasil, particularmente, um número estimado em 300.000 mulheres relatou terem sido agredidas fisicamente por seus maridos ou companheiros a cada ano. Mais da metade de todas as mulheres assassinadas no Brasil foram mortas por seus parceiros íntimos” (Brasil, 2003, p.21).

No entanto, estudos realizados com homens evidenciam um cenário não menos perturbador:

No Rio de Janeiro, pesquisa publicada em 2003, em que foram entrevistados 749 homens, com idade entre 15 e 60 anos, destaca que 25,4% afirmaram ter usado violência física contra a parceira, 17,2% informaram ter usado violência sexual e 38,8% afirmaram ter insultado, humilhado ou ameaçado pelo menos uma vez a parceira (Acosta e Barker, 2003 apud Brasil, 2003, p.21).

Para fundamentar essa dinâmica em um contexto mais atual, destaca-se uma pesquisa realizada por Magrin (2022). Por meio de um estudo que analisava a perspectiva masculina para as agressões, a investigadora promoveu de forma remota, entrevistas semiestruturadas com 13 homens maiores de 18 anos, no qual os participantes se utilizaram de suas próprias experiências, inclusive no tocante ao desenvolvimento de comportamentos agressivos. Assim, foram sinalizados como principais fatores de risco para a violência doméstica, o comportamento das vítimas, a cultura patriarcal e machista, e as masculinidades tóxicas. Os resultados apontam que as mulheres foram consideradas tão vítimas quanto culpadas pelas agressões sofridas. 

Como principais falas desses homens, Magrin (2022) listou como: 1) principais características (baixa escolaridade, instabilidade financeira, desemprego, insegurança, ciúme, baixa autoestima etc.); 2) minimização e negação da violência (o agressor tende a minimizar a agressão ou não reconhecê-las); 3) histórico familiar (homens agressores foram vítimas do genitor quando crianças); 4) papéis sociais e masculinidade tóxica (medo de perder a identidade e o protagonismo social para a parceira); 5) uso de substâncias (como justificativa para atos violentos); 6) culpabilização da mulher pela agressão (por provocação, interesse ou desajuste emocional); e 7) impunidade (mulheres tendem a retirar a queixa após ameaças dos parceiros; morosidade da justiça brasileira) (Magrin, 2022) [2].

Para Cabrera (2023) e Araújo e Santos (2022), comportamentos tóxicos podem ser nocivos não apenas para mulheres, principais vítimas de agressão, mas, compromete o equilíbrio de toda a estrutura social, uma vez que impõem uma série de normas e comportamentos lesivos, inclusive aos homens.

Diante do exposto, Cabrera (2023, p.11) sinaliza o fato de que:

A vida dos homens é coordenada por estes padrões antes mesmo do seu nascimento. Durante a sua infância, a educação é comumente pautada na ideia de que meninos não choram e que se voltarem para casa sem revidar, vão ser agredidos dentro de casa também, para aprenderem a ser fortes e se defender. Ou seja, existe um conjunto de prescrições que acaba participando da construção subjetiva dos homens e que causam inúmeras consequências em sua vida adulta.

No entanto, se observa que, ainda que os homens também atuem como vítimas, são os principais agentes agressores. Em especial, em sociedades como a brasileira, de cunho sexista, racista, patriarcal, etarista, androcêntrico, classista, trans/fóbico, no qual as mulheres são culpabilizadas pelas agressões acometidas, sejam físicas ou psicológicas, por homens com quem mantém ou não vínculos afetivos, segundo Franco (2018).

Notadamente, as mulheres estiveram imersas em uma ordem social discriminatória, na qual se viram impelidas por intermédio da subordinação feminina, em menor ou maior grau de sujeição, a conviver em espaços de opressão, seja na esfera pública ou privada. “Contudo a incidência da violência, no âmbito da conjugalidade, é mais recorrente”, conclui Franco (2018, p.44). 

Justo no espaço onde deveria haver maior segurança. Destaca-se o fato de que, a maior parte dos incidentes de violência doméstica consiste num processo de abuso que tende a se estender por anos e, em geral, se dá de modo recorrente e se agravam à medida que o tempo passa.

Essa dinâmica de violência pode ser observada em notícias veiculadas no noticiário quase diariamente, como a mencionada abaixo, de 2022, que expõe: 

“Professor é preso por tentativa de feminicídio após incendiar a casa de ex no Acre”.  O subtítulo dessa matéria jornalística relata que ele havia sido denunciado em 2018, quando foi visto agredindo essa mesma mulher com um capacete. Ela não morreu no incêndio criminoso, porque não estava em casa, mas perdeu os seus bens e ganhou traumas (Teles, 2023, p.1).

Visando minimizar essas práticas recorrentes e os elevados índices de violência, a Lei nº 11.340/2006, alcunhada Lei Maria da Penha, prevê ações não apenas punitivas aos praticantes de violência doméstica, mas também preventivas, oferecendo-lhes assistência, o que inclui processos de reeducação das masculinidades que geraram o problema. Contudo, o que se percebe na prática, é um enfoque baseado na punição (de Paula e Rocha, 2019, p.83). 

A lei previu a criação de Centros Especializados de Atendimento à Mulher, que “(...) são espaços de acolhimento/psicológico ou social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência colaborando com o fortalecimento e resgatando sua cidadania”. Do mesmo modo, outros equipamentos como Casas Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à mulher (DEAMs), Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns, Promotorias Especializadas, Casa da Mulher Brasileira, Serviço de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica (COSTA, 2021, p.24), que cumprem um papel de fundamental importância no enfrentamento a violência contra a mulher.

Nesse aspecto,

A rede de enfrentamento à violência contra a mulher é definida a uma atuação articulada entre as instituições governamentais e não governamentais a comunidade, objetivando estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam empoderamento das mulheres e seus direitos. Já a rede de atendimento é definida como um conjunto de ações e serviços de diferentes setores (da assistência social, da justiça, da segurança pública e da saúde), que visam a integralidade e humanização do atendimento (COSTA, 2021, p.25).

Essa análise pode ser admitida como verdadeira, ao considerar a Lei nº 13.104/2015, ou Lei do Feminicídio, que prevê a criminalização da morte de mulheres envolvendo violência doméstica e familiar, discriminação ou menosprezo à condição de mulher da vítima, passando a tornar esse um homicídio qualificado, tipificado como crime hediondo, cujas penas podem variar entre 12 e 30 anos de reclusão (Magalhães, 2022); (Teles, 2023).

Entretanto, é importante considerar que padrões tóxicos estão profundamente enraizados na cultura e, consequentemente, na sociedade brasileira, não bastando apenas alterar seus aspectos legais para que haja, de fato, mudança real. Assim, a violência de gênero pode resultar não apenas da imposição do poder masculino, mas, das consequenciais que a tomada desse poder refletiu e ainda reflete socialmente, analisa Magalhães (2022). 

Assim, observa-se que mesmo anos após efetivada as referidas leis, não houve redução, de fato, nos números de feminicídios ou violências cometidas contra as mulheres, o que evidência, uma vez mais, que a criminalização tem sua importância, mas a conscientização é fundamental. De acordo com Araújo e Santos (2022, p.137), “é importante ressaltar que tanto homens quanto mulheres podem se identificar com um tipo de masculinidade”.

Estudos, a exemplo dos de Cabrera (2023), Franco (2018), Lopes (2022), Teles (2023), bem como, outros autores citados nessa breve análise, determinam a crise da masculinidade, tal como é conhecida, no que:

O mercado e a publicidade também têm discutido sobre a masculinidade tóxica. Decerto, a publicidade está sempre atenta aos fenômenos sociais, pois busca por novas tendências e oportunidades de mercado. Neste sentido, observando as mudanças em curso que estão continuamente transformando os ideais masculinos, seu lugar nas relações sociais e suas formas de ser e se expressar contemporaneamente, as marcas estão num processo contínuo de reposicionamento expressado por meio do discurso publicitário alinhado às questões feministas (Cabrera, 2023, p.11).

Nesse contexto, a atual discussão sobre o tema, expressa mudanças substanciais em relação à aceitação social do poder masculino abusivo e arbitrário vigente, objetando sua hegemonia dentro do sistema de gênero instaurado

Como se pode considerar ao longo desse discurso, graças a esse salto consciencial evolutivo é que comportamentos antes admitidos como padrão passaram a exigir ajustes, e novos conceitos emergiram como forma de elucidar, refletir e debater sobre o problema, como se pretende analisar.

[2] Esses dados informam a importância de entender o fenômeno sob outras perspectivas, no que se concorda com a autora, quando afirma que: “denota-se a importância de envolver os homens no debate sobre a temática, pois esse tipo de iniciativa pode auxiliar na prevenção da ocorrência do fenômeno” (Magrin, 2022, p.8). 


Cenários da violência

No Brasil, a igualdade de gêneros veio tardiamente, por meio da Constituição de 1988. Somente nesse momento é reconhecida a equidade de direitos entre homens e mulheres (Oliveira, 2013). Esse marco histórico abriu margem para uma série de conquistas.

Contudo, os dados não permitem ignorar o fato de que a violência contra a mulher ao longo do tempo, conflagra uma problemática de amplas magnitudes que se refletem atualmente, em especial no que se refere à violência doméstica (Magalhães, 2022). 

De acordo com as definições estabelecidas pela ONU – Organização das Nações Unidas, acerca da violência contra a mulher e sintetizadas por Balbinott (2018, p.240), conceitualmente,

A violência de gênero se apresenta como uma expressão para fazer referência aos diversos atos praticados contra as mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças. É caracterizada, especialmente, pela imposição ou pretensão de subordinação e controle do gênero masculino sobre o feminino. 

Cumpre destacar, que estudos populacionais promovidos em diversos países, comprovam que, desde meados de 1980, a prevalência dos atos de violência contra a mulher partia de seus parceiros íntimos, ou seja, maridos, companheiros e namorados, seguido por familiares, afirma Magalhães (2022).

O auge da violência contra a mulher culmina na morte. A esse ato denomina-se feminicídio, ou seja, crime cometido em decorrência de gênero. Nesse sentido, o número de óbitos registrados em razão de conflitos de gênero onde as mulheres são vítimas, apontam que os crimes são geralmente cometidos por homens, assim como, relativos a situações de abusos no ambiente doméstico, ameaças ou intimidação, violência sexual, dentre outros. Esses atos são praticados, em especial, por atuais ou ex-parceiros (Magalhães, 2023).

Portanto, seria correto afirmar, tal como concorda Garcia et. Al (2016), que os parceiros íntimos são os principais responsáveis pelo assassinato de mulheres. De acordo com o autor, 40% do total de feminicídios em todo mundo, são cometidos por seu parceiro íntimo. 

No entanto, contrariamente, observa-se uma redução desses números a 6% quando considerada a proporção de homens assassinados por suas companheiras. Isso significa dizer, que o quantitativo de mulheres assassinadas por seu parceiro corresponde estatisticamente a 6,6 vezes mais, do que a proporção de homens assassinados por suas esposas e afins (Garcia, 2016).

Nesse contexto conflituoso, no intervalo de dez anos no Brasil, entre 2001 e 2011, estima-se a decorrência de 50 mil feminicídios, o equivalente a cerca de 5.000 mortes por ano, quando comparado o total da população brasileira deste período. Dados apontam que a maioria dessas mortes tenham sido decorrentes de violência doméstica e familiar, uma vez que, um terço destes casos ocorreu no local de domicílio da vítima (Garcia et. Al, 2016).

E esses números sobem. De acordo com Costa (2021, p.11),

No ano de 2015, no Brasil, entrou em vigor a lei do 13.104/15, Lei do Feminicídio, que modificou o Código Penal Brasileiro, tornando as penas para crime de feminicídio, mais severas. Contudo, dados do Fórum de Segurança Pública (2019) apontam que desde 2016, ano após a lei do feminicídio ter sido implantada, os números de assassinato de mulheres evoluíram, passando de 929 em 2016 chegando a 1.326 em 2019.

No Brasil, o Boletim Elas Vivem, publicado em 2023, adverte e informa que:

O feminicídio é um crime com assinatura. A maioria dos casos acontecem onde na verdade deveria ser o local de segurança e com pessoas confiáveis: no âmbito familiar. O Elas Vivem apontou que 75% das violências são praticadas por companheiros ou ex-companheiros. Em muitos eventos esses agressores não se limitam apenas às companheiras e violentam também os filhos e outros parentes, e depois tentam tirar a própria vida (Neves, 2023).

Nesse sentido, concorda-se com Borges e Lucchesi (2015, p.218), quando inferem que: “(...) as agressões perpetradas por questões de gênero são fenômenos complexos e certamente não serão evitadas por medidas pensadas dentro da ordem masculina que organiza nossas estruturas sociais”.

Nota-se que o Brasil vem buscando sanar a problemática da violência contra a mulher, por meio da punição severa e da criminalização do homem agressor, no qual, em um segundo plano, figura a mulher vitimizada, cujo abuso busca ser minimizado “(...) através de políticas estatais paternalistas de assistência à agredida; isto é, tem-se buscado soluções masculinas para um problema criado justamente pela dominação masculina” (2015, p.218).

Medidas para o enfrentamento da Violência contra mulher no Brasil

A violência é um dos mais graves problemas mundiais da atualidade, sendo uma das principais responsáveis pela morte de pessoas entre 15 e 44 anos de idade. Nesse sentido, evidencia-se que o abuso de poder ou o uso intencional da força física, seja contra uma pessoa ou um grupo, geram consequências e impacto desastrosos. Contudo, ressalta-se que a violência se apresenta com perspectivas diferentes para homens e mulheres: o primeiro sofre a violência nos espaços externos, geralmente praticada por outro homem; a segunda, está submetida a violência masculina no espaço privado e doméstico, tendo como agressor o parceiro (Brasil, 2003, p.9) [3]

Com o intuito de inibir a violência doméstica contra a mulher, o ordenamento jurídico brasileiro criou, além de leis que visam punir o crime contra a mulher, passou igualmente a estabelecer medidas de proteção e assistência a essas vítimas, o que inclui a disponibilização de uma equipe multidisciplinar. Nota-se, entretanto, o empreendimento de ações que estimulam a conscientização e a proteção dessa clientela, sem considerar, no entanto, que o agressor, o mesmo que dá origem a problemática, contribuindo para um aumento ainda maior dos casos de violência, pondera Oliveira, (2020) [4].

A Constituição Federal do Brasil, dá termos à violência doméstica em seu parágrafo 8º, art. 226, que determina que: “O Estado assegurará a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações” (Brasil, 2003, p.9).

Em 2003, foi editada a Política Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, que que em última instancia, é responsável por estabelecer diretrizes, conceitos, princípios e ações que visam combater e prevenir a violência de gêneros, bem como, prestar assistência e garantir a essa clientela, mediante os termos ditados pelos internacionais de direitos humanos e normas nacionais (Oliveira, 2020, p. 11).

Nesse mesmo ano, através da através da Lei nº 10.778, foi criada a notificação compulsória de violência contra a mulher, que notifica a violência doméstica, sexual, dentre outras. Implementada por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), subordinado ao Ministério da Saúde (Costa, 2021).

Essa notificação tem objetivo intrínseco, a prevenção, assistência e garantia de direitos, onde Costa (2021, p.23) afirma que,

De acordo com a Política Nacional de Política para Mulheres (2011), o ministério da previdência assinou convênio com a Secretaria de Políticas para as Mulheres para entrar com ações regressivas nos casos de aposentadorias ou pensões causadas pela violência doméstica. Com isso, há a responsabilização do agressor, e o Estado não fica com os custos da violência. É mais um reconhecimento do Estado, o quanto a violência doméstica impossibilita a mulher de uma autonomia, e também mais uma forma de penalizar e responsabilizar o agressor pelos danos causados à mulher e ao Estado, que em muitos casos quando não causa a morte da vítima, as deixam com sequelas físicas e mentais por toda a vida.

Analisando os dispositivos legais da Lei nº 11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, nota-se que se ocupam da prevenção da violência de gênero, seja buscando evitar o crime, seja buscando instrumentos para que não haja reincidência. Nesse sentido, “sempre que a norma legal traz esse tipo de preocupação, ela se caracteriza por ser de política criminal”, afirma Oliveira (2020, p. 9).

Outrossim, a Lei Maria da Penha previu a criação dos juizados com equipe de atendimento multidisciplinar, devidamente integradas por profissionais qualificados e especializados. De acordo com Costa (2021, p.25): “Promotorias Especializadas- a Promotoria Especializada do Ministério Público promove a ação penal nos crimes de violência contra as mulheres. Age também na fiscalização dos serviços da rede de atendimento” (Costa, 2021, p.23). 

Em 2009, foi promulgada da Lei Nº 10.778/09 de notificação compulsória de violência contra a mulher, derivada da junção entre as três diferentes esferas do governo e, pode-se afirmar que avanços foram percebidos. Nesse momento, houve início os centros de referência e às defensorias da mulher, assim como, as redes de atendimento e assistência às mulheres em situação de violência (Costa, 2021). 

Nesse sentido, Costa (2021) considera que tais políticas se mostraram positivas, “(...) no que se refere aproximar a mulher dos seus direitos e do amparo da justiça, as impulsionando o empoderamento e autonomia das mulheres em situação de violência praticada pelo cônjuge no âmbito doméstico” (Costa, 2021, p.23).

Segundo a Política Nacional de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher, as prioridades e ações da política giram em torno da ampliação e aperfeiçoamento da rede de assistência no que se refere ao atendimento e saúde da mulher em situação de violência, promoção e garantia de direitos para combater a violência, prevenção através da produção, sistematização e informações de dados referentes à violência por meio de notificação compulsória, por exemplo (Costa, 2021, p.23).

Como forma de reforço a Lei 12.845/13(Lei do Minuto Seguinte), promoveu garantias que não se limitam ao diagnóstico e ao tratamento emergencial de lesões causadas pelo agressor. As vítimas devem ter acesso a um atendimento completo que inclui o amparo médico, psicológico e social, a administração de medicamentos contra gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, a coleta de material para a realização do exame de HIV, a facilitação do registro da ocorrência e o fornecimento de orientações sobre seus direitos legais e os serviços sanitários disponíveis (Costa, 2021, p.24).

Sob a mesma perspectiva, em 2015, foi editada a Nº 13.104, também conhecida como Lei do Feminicídio. Esse dispositivo legal tem como princípio intrínseco, tipificar como hediondos, os homicídios praticados contra a mulher no Brasil (Oliveira, 2020, p. 10), no que é importante considerar:

A lei foi criada a partir de uma orientação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito com relação à Violência Contra a Mulher. A ONU apresentou aos estados que ampliassem a legislação nacional para que assim pudessem penalizar os autores de assassinatos e atos violentos contra as mulheres. Considera-se como violência contra a mulher, qualquer tipo de ato, ação ou omissão, respaldada no gênero, que possa causar morte, sofrimento físico ou psicológico à mulher, pode ele ocorrer no âmbito público ou privado (Oliveira, 2020, p. 10).

O fenômeno da violência de gênero atinge mulheres de todas as sociedades, idades, classes sociais, graus de instrução, orientação sexual, raças e etnias. Nesse contexto, constitui um problema ligado ao poder, no qual, encontra-se de um lado o domínio dos homens sobre as mulheres e do outro, a ideologia dominante que sustenta. Ressalta-se que independentemente do tipo de violência praticada contra a mulher todas têm como base as desigualdades predominantes nas sociedades e todas ferem a cidadania das mulheres e representam uma violação aos direitos humanos (Brasil, 2003, p.9).

Cumpre-se destacar que, grande parte dos agressores integram os próprios círculos íntimos das mulheres em situações de violência, sendo as pretas e pardas, nas mais jovens, aquelas que enquadram um percentual maior do que as brancas. Segundo dados disponibilizados pelo Atlas da Violência, Oliveira (2020) explicita que muitas dessas mulheres silenciam por não se sentem seguras o suficiente para fazer valer seus direitos. 

De acordo com o autor, “Isso pode ocorrer por dois motivos: 1) medo de que a denúncia não prospere, e que o agressor não pague pelo ato que cometeu; 2) não querem falar sobre o assunto para não reviver o ocorrido” (Oliveira, 2020, p. 13).

Para conter os elevados números registrados no país, o Brasil tornou-se signatário de vários acordos internacionais relacionados à violência de gênero, visando reduzir os elevados índices de violência em todo o território nacional, o que inclui o Estado da Bahia, base de análise do capítulo que se segue.

[3] Brasil (2003). Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.Ministério da Saúde, Brasília; s.n; 2003. 66 p. ;ilus. Disponível em: < Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres >. Acesso em: 03 de Nov de 2023.

[4] Oliveira, J.C.R.D. (2020). Políticas Públicas Preventivas: a reeducação dos homens que praticam atos ofensivos à integridade das mulheres segundo a Lei Maria da Penha. Trabalho de Conclusão de Curso da FACNOPAR. Apucarana, 2020. Disponível em: < 89b2e0553db5a034e17e3d54ca30bb5e.pdf (facnopar.com.br) >. Acesso em: 03 de Nov. de 2023.


A violência de gênero na Bahia

Salvador é atual capital do Estado da Bahia e, historicamente, foi também a primeira capital da colônia portuguesa no Brasil. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) [5], a Bahia possui uma área de extensão de quase 565 mil km², sendo o maior estado do Nordeste do país em extensão territorial e o quinto maior do Brasil. Dados do censo de 2022, indicam que a população baiana soma 14.136.417 de pessoas, dentre os quais 7.317.534, declaram-se mulheres e 6.508.424 correspondem ao sexo masculino (IBGE, 2023). 

No entanto, embora o número de mulheres supere o de homens no Estado, os dados referentes à violência contra a mulher são alarmantes e o colocam na liderança do ranking, não apenas de maior, mas também, de mais violento do Nordeste brasileiro. 

Casos são constantemente noticiados, como se pode observar no exemplo de matéria do Jornal G1 Bahia, publicada em 2021, que informa ter sido registrados na Bahia, 29 casos de violência, o que inclui estupro, no entanto, alerta que “(...) o número de vítimas pode ser muito maior, pois muitas têm dificuldade de proceder a denúncia, por vergonha e medo que familiares saibam do ocorrido e pela morosidade do sistema de justiça em processar e condenar os agressores". Nesse sentido, a matéria completa, afirmando que esta evidência não expõe as vítimas apenas ao crime sofrido, mas também, às consequências desse estigma imprimido na sociedade (SOUZA, 2021).

Em uma entrevista, Costa (2021), relata que:

A colaboradora da SPM-BA relatou que a maior dificuldade na elaboração das políticas públicas para as mulheres, na Bahia, é falta de recurso financeiro suficiente, tanto para contratação de mais pessoas, pois, hoje a secretaria conta com apenas 10 técnicas que fazem trabalho virtual e presencial na coordenação de enfrentamento à violência. Adverte que a quantidade de mão de obra é insuficiente, levando em conta que Bahia tem 417 municípios para o quantitativo de 10 colaboradores que precisam cumprir agenda em todos os municípios (Costa, 2021, p.37).

Dados da Rede observatório de segurança de 2021, colocavam o estado da Bahia no 3º lugar em casos de feminicídio, no ranking brasileiro. Entre o período de 2017 a 2020, foi registrado um crescimento no número de feminicídio no estado, que passou de 74, em 2017, para 113 casos no ano de 2020 (BAHIA,2021 apud Costa, 2021, p.27).

Costa (2021, p.27) adverte que o confinamento, resultado das medidas de segurança adotadas durante a pandemia COVID-19, fez com que os números de vítimas aumentassem em 150% nos casos de feminicídio, somente no mês de maio de 2020. Nesse cenário, “segundo dados do Monitor da Violência (2020), ocorreram 57 feminicídios no primeiro semestre de 2020 no mesmo período do ano 2019, foram 48”.

No entanto, as evidências denunciam que a pandemia não justifica o aumento de casos no estado, uma vez que, em 2022, a Bahia manteve-se na posição do ranking nacional, sendo o estado do Nordeste com o maior número de feminicídios, registrando 91 casos, cerca de um por dia, aponta o boletim Elas Vivem: dados que não se calam (SPM, 2023).

De acordo com Costa (2021, p.38):

(...) a Bahia possui apenas 15 DEAM e estão distribuídas em 14 cidade, sendo que a estado possui 417 municípios. Esses números demonstram uma deficiência na rede de enfrentamento a violência da Bahia. A importância da rede é ratificada na Política Nacional de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher (BRASIL, 2011), as prioridade e ações da política giram em torno da ampliação e aperfeiçoamento da rede de assistência no que se refere ao atendimento e saúde da mulher em situação de violência, promoção e garantia de direitos para combater a violência, prevenção. 

Larissa Neves, pesquisadora da Rede Observatórios de Segurança, alerta em entrevista sobre a necessidade de maior proteção judicial de mulheres vítimas de violência no estado, uma vez que muitos casos são subnotificados, tornando-se um agravante (SPM, 2023). 

Em análise a mulheres atendidas nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam's), verifica-se que:

“Grande parte dessas mulheres (vítimas de violência) não conseguem nem denunciar. Estamos diante de um problema que é social e que requer o compromisso da sociedade como um todo, especialmente da gestão pública, O aumento de registro nos dados gerais (de todos os estados analisados pela rede), cresceu 8% de 2020 para 2021, e 8,61% de 2021 para 2022” (SPM, 2023). 

Cumpre-se destacar que, por mais que os dados se mostrem desanimadores, avanços foram feitos nos últimos anos, com a criação de leis, políticas públicas, dentre outras medidas, adotas com o intuito de conter a violência de gênero, a exemplo das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam's), implantadas no país.

No entanto, situações como essa se caracterizam como uma realidade frequente: 

Na Bahia, contamos com 15 delegacias especializadas (Deam) em todo o território – essas unidades são responsáveis por desenvolver ações que protegem as vítimas de potenciais agressões. E a situação ainda é desafiadora porque nenhuma das Deam do estado tem o funcionamento 24h. Todas atendem somente em horário comercial. Duas delas estão em Salvador – Paripe e Brotas – e são as únicas no estado com atendimento prolongado, uma das determinações da nova Lei Federal n° 14.541, que determina sobre a criação e o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. As demais estão espalhadas por outros 13 municípios. Apesar do avanço, as Deam cobrem apenas 3,5% do território baiano, já que a Bahia tem 417 municípios (Neves, 2023).

Esses dados reforçam a afirmação de que grande parte dessas ferramentas são deficitárias, compondo um aparato que pune a consequência do ato, sem buscar resolver a causa. Nesse sentido, acredita-se que a criminalização pura e simples da violência contra a mulheres, não se sustenta no intuito de sanar a problemática, embora funcione como medida paliativa capaz de conter um crescimento ainda maior dos números a curto prazo. 

No entanto, ações que estimulam o debate, a reflexão e a conscientização, embora requiram um investimento maior de tempo, podem ser mais eficientes a longo prazo ao auxiliar no processo de ressignificação de cenários socioculturais equivocados, cooperando para o desenvolvimento de uma sociedade mais equânime e justa., como sugere a maioria dos autores retratados nesse estudo.

[5] IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da População, Bahia, 2023. Disponível em:.< IBGE | Cidades@ | Bahia | Pesquisa | Projeção da população | População projetada | 2022 >. Acesso em: 20 de Out de 2023.


Conclusão

A violência de gênero no Brasil atinge dados alarmantes e estudos expõem que muitos brasileiros carregam algum preconceito expresso contra mulheres, conforme demonstrado ao longo dessa análise.

Foi observado que o Estado da Bahia ocupa a liderança dos casos de violência contra a mulher da Região Nordeste, listando o maior número feminicídios entre 2022 e 2023, sendo também o estado com maior índice de crescimento em relação à violência de gênero, com ocorrência de pelo menos um caso diário registrado (Neves, 2023). 

Questionou-se, portanto nessa investigação: onde o enfrentamento à violência de gênero na Bahia tropeça? Como resposta, compreendeu-se que a criminalização pura e simples do ato de violência não caracteriza uma solução eficiente. 

Nesse sentido, esse estudo buscou refletir o contexto de violência expresso nesse cenário, intentando analisar os fatores que influenciam no aumento dos casos de violência e feminicídios no estado, para entender os principais empecilhos para redução desse quadro.

Assim, novos conceitos emergem como respostas para a emergente busca de ressignificação dos comportamentos misóginos adquiridos culturalmente e perpetuados ao longo das gerações. 

Percebeu-se, portanto, que a criminalização da violência contra a mulher galgados pela Lei Maria da Penha e suas posteriores, poderá não obter os resultados pretendidos se, em conjunto, ações não forem empreendidas no sentido de promover uma real mudança de comportamento nas relações estabelecidas entre gêneros, visando conter o padrão até então enraizado no cenário social do país, consequentemente no estado da Bahia. Em outras palavras: medidas capazes de possibilitar um salto de consciência.


Referencias

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