MLS - Educational Research (MLSER)http://mlsjournals.com/ISSN: 2605-5295 |
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(2024) MLS-Psychology Research, 7l(2), 95-111. doi.org/10.33000/mlspr.v7i2.2673
Atitudes dos professores portugueses do ensino básico e secundário perante a educação inclusiva
Mariana Vieira Crespo
Psicóloga (Portugal)
mariana.vieira@doctorado.unini.edu.mx · https://orcid.org/0000-0002-2490-2987
Resumo: Introdução: Para a implementação da educação inclusiva, é fundamental a disponibilidade dos professores em efetuar adaptações pessoais, organizacionais e académicas nas suas salas de aulas, disponibilidade essa que é influenciada pelas suas atitudes face à educação inclusiva. Não existem ainda muitos estudos quantitativos acerca das atitudes dos professores portugueses perante a educação inclusiva. O objetivo deste estudo é o de analisar as atitudes dos professores portugueses em relação à educação inclusiva, bem como o efeito de características demográficas e profissionais sobre essas mesmas atitudes. Metodologia: Foi proposto um estudo quantitativo, com um desenho não experimental, descritivo e correlacional, com recurso à aplicação de um questionário demográfico e da escala MATIES (Multidimensional Attitudes toward Inclusive Education Scale). A amostra foi formada por 437 professores do ensino básico e secundário de Portugal. Resultados: Os resultados mostram que os professores têm uma atitude geral positiva em relação à educação inclusiva. Não foi identificada influência das variáveis de género, idade ou tipo de professor na atitude dos professores perante a educação inclusiva. Discussão: Os professores da amostra demonstram um bom nível de confiança na sua capacidade para trabalhar no âmbito da educação, mas relatam carência de formação específica nesta área. São discutidas as implicações destas evidências no campo teórico e prático, bem como as limitações do uso de escalas de avaliação de atitudes para a educação inclusiva.
keywords: atitudes, educação inclusiva, professores, Portugal, MATIES.
Portuguese Teacher Attitudes Towards Inclusive Education in Basic and Secondary Schools
Abstract: Introduction: The availability of teachers to make personal, organizational and academic adaptations in their classrooms is essential for the implementation of inclusive education. This availability is influenced by teacher’s attitudes towards inclusive education. There are not yet many quantitative studies regarding the attitudes of Portuguese teachers towards inclusive education. This study aims to examine the attitudes of Portuguese teachers towards inclusive education, as well as the correlation with demographic and professional characteristics. A quantitative study with a non-experimental, descriptive and correlational design was proposed, using a demographic questionnaire and the MATIES scale (Multidimensional Attitudes toward Inclusive Education Scale). The sample was made up of 437 primary and secondary school teachers in Portugal. Results: The results show that teachers have a generally positive attitude towards inclusive education. No influence of gender, age or type of teacher variables on teachers' attitudes towards inclusive education was identified. Discussion: Teachers have a good level of confidence in their ability to work in the field of inclusive education, but report a lack of specific training in this area. The implications of this evidence in the theoretical and practical field are discussed, as well as the limitations of using attitude assessment scales for inclusive education.
keywords: attitudes, inclusive education, teacher, Portugal, MATIES.
Introdução
De acordo com o estipulado na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), o conceito de educação inclusiva refere-se à ideia de que todas as crianças, incluindo as portadoras de deficiência e que, como tal, apresentam necessidades educativas especiais, devem ter acesso às escolas e aulas regulares com o auxílio de recursos humanos e técnicos adequados à sua situação.
O conceito de educação inclusiva tem vindo a ser progressivamente adotado e incorporado na legislação nacional de diversos países. Contudo, a implementação e promoção da educação tem-se revelado um substancial desafio sendo que, segundo a Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação com Necessidades Educativas Especiais (EADSNE, 2012), em muitos países, a educação segregada não diminuiu de forma substancial.
É essencial entender de forma mais aprofundada os mecanismos subjacentes à dificuldade em implementar a educação inclusiva.
Sabe-se que “a inclusão depende muito das atitudes dos professores em relação aos alunos com NEE, da sua visão das diferenças nas salas de aula e da sua vontade de responder positiva e eficazmente a essas diferenças” (EADSNE, 2003, p. 15).
As atitudes dos professores têm uma influência significativa na forma como as práticas educacionais inclusivas são implementadas (Forlin et al., 2008), com atitudes negativas em relação à inclusão a exercer uma influência inibitória para o seu sucesso (Gibb et al., 2007). As atitudes dos professores afetam o ambiente de aprendizagem e a abordagem de ensino (Ross-Hill, 2009).
De acordo com Scruggs & Mastropieri (1996), a maioria dos professores assume atitudes positivas em relação à ideia de inclusão, mas, contudo, uma maioria um pouco menor expressou disponibilidade para aceitar crianças com necessidades especiais nas suas salas de aula.
As atitudes dos professores em relação à inclusão podem ser influenciadas pela crença acerca da sua competência para incluir estas crianças, o que reporta para a importância do conceito de autoeficácia, definido como a confiança dos professores na sua capacidade individual e coletiva de influenciar a aprendizagem dos alunos (Klassen et al., 2011).
Outras variáveis que têm sido estudadas como mediadoras incluem a formação dos professores em ensino especial, a sua experiência de trabalho com alunos com necessidades educativas especiais e a sua quantidade de contacto anterior com pessoas com deficiência. Ter contacto com pessoas com deficiência está associado a atitudes mais positivas em relação à inclusão (Boyle et al., 2013). A formação dos professores correlacionou-se positivamente com as atitudes inclusivas (por exemplo, Ahsan et al., 2012), assim como a experiência de trabalho (por exemplo, Sharma et al., 2006).
As atitudes dos professores estão associadas às categorias de professores, sendo os professores de educação especial geralmente o grupo mais positivo (Engelbrecht et al., 2013). Os diretores das escolas também foram mais positivos do que os professores (Boyle, 2014), e os professores do ensino básico foram mais positivos do que os professores do ensino secundário (Chiner & Cardona, 2013).
Quanto ao fator género, os estudos não são conclusivos, havendo estudos que não encontraram nenhuma diferença entre professores do sexo masculino e feminino (por exemplo, Chhabra et al., 2010); e outros estudos que mostram que as professoras têm uma atitude mais positiva em relação à inclusão (por exemplo, Alquraini, 2012). Apenas dois estudos chegaram à conclusão que os professores do sexo masculino se sentiam mais positivos em relação à inclusão do que as professoras (Bhatnagar & Das, 2014).
Quanto à idade, este fator também não apresenta dados claros, havendo estudos em que não se deteta uma associação das idades dos professores com as suas atitudes em relação à inclusão (Chhabra et al., 2010) e outros estudos, em que se verifica que os professores mais jovens se sentem mais positivos em relação à inclusão do que os professores mais velhos (por exemplo, Ahmmed et al., 2014).
Para a avaliação das atitudes dos professores em relação à educação inclusiva, muitos estudos têm usado escalas de avaliação de atitudes (Saloviita, 2015).
De acordo com um estudo de revisão realizada por Ewing et al. (2018), a MATIES (Mahat, 2008) e a SACIE-R (Forlin et al., 2011) são os questionários de avaliação das atitudes dos professores relativas à educação inclusiva psicometricamente mais consistentes por considerarem todas as dimensões afetivas, cognitivas e emocionais das componentes das atitudes (Silva, 2019).
A MATIES (Multidimensional Attitudes toward Inclusive Education Scale) foi desenvolvida por Marian Mahat, em 2008 (Mahat, 2008), com o objetivo de criar um instrumento multidimensional que pudesse efetivamente medir os aspetos afetivos, cognitivos e comportamentais das atitudes no âmbito da educação inclusiva, incluindo as suas dimensões física, social e académica; e contribuir para uma maior compreensão da natureza teórica e da estrutura das atitudes e da base de conhecimento para a oferta de educação inclusiva.
Desde a sua criação inicial, a MATIES tem sido validada e aplicada num conjunto de línguas, países e contextos educativos.
Srivastava et al. (2017) recorreram à MATIES para concluir que os professores indianos com mais conhecimento sobre a educação inclusiva e sobre a deficiência, são mais positivos em relação à inclusão de alunos com deficiência. Os resultados mostraram ainda diferenças estatisticamente significativas nos componentes afetivos e comportamentais entre os dois grupos de professores testados.
Na Eslovénia, Štemberger & Kiswarday (2018) demonstraram que os professores do ensino pré-escolar e do ensino primário têm atitudes positivas em relação à inclusão. Mostram também uma compreensão positiva da inclusão e vontade para ajustarem o seu comportamento para permitir a inclusão efetiva.
Na Nigéria, o estudo de Odo et al. (2021) investigou os papéis da personalidade conscienciosa (com base no modelo BIG five) e da experiência de trabalho na previsão da atitude de professores de ensino primário em relação à educação inclusiva. Os resultados mostraram que a personalidade conscienciosa e a experiência de trabalho previam positivamente a atitude dos professores do ensino primário em relação à educação inclusiva.
Por seu lado, na Eslováquia, no estudo de Barnová et al. (2022) os resultados revelaram diferenças estatisticamente significativas nos componentes afetivos e comportamentais entre os dois grupos de professores examinados.
Polyzopoulou & Tsakiridou (2023) aplicaram a MATIES a uma amostra de professores de educação geral primária e secundária na Grécia, mostrando que, em geral, os professores expressaram atitudes positivas em relação à inclusão. Verificaram ainda que a presença e o contato com a pessoa com deficiência na família são fatores importantes quanto a uma atitude mais positiva relativamente à inclusão, assim como a frequência de formações sobre educação especial, experiência de trabalho e o conhecimento do quadro legal. Os professores que lecionam no ensino básico desenvolvem disposições mais positivas em relação aos professores que lecionam no ensino secundário.
Em Portugal, o conceito de educação inclusiva é ainda uma ideia muito recente e que só foi formalmente implementado em julho de 2018, através de uma nova legislação para a educação inclusiva: o Decreto Lei 54/2018 (Presidência do Conselho de Ministros, 2018). Também designado de “Diploma para a Educação Inclusiva”, este novo Decreto Lei pretende fornecer oportunidades de aprendizagem efetivas para todas as crianças. Rejeitando o conceito redutor de “necessidades educativas especiais”, assume que não deverão haver distinções arbitrárias entre crianças e admite que qualquer aluno, em qualquer momento do seu percurso académico, pode necessitar de medidas de suporte à aprendizagem.
Não existem ainda muitos estudos de qualidade sobre as atitudes dos professores face à inclusão em Portugal. Um estudo (OECD, 2022), publicado antes do referido Decreto-Lei 54/2018 constatou “uma atitude geral positiva dos professores de educação infantil em relação à inclusão” (p. 8), sendo que foram encontradas atitudes mais positivas em professores que conheciam pessoalmente alguém com necessidades educativas especiais. No entanto, as atitudes foram menos positivas quando os professores tiveram experiência direta em salas de aula com alunos com necessidades educativas especiais, provavelmente devido a experiências negativas em sala de aula. Contudo, a maioria dos inquiridos referiram ter dificuldades ou dúvidas sobre a aplicação da lei; sentir falta de apoio das entidades de administração e formação e que o papel do professor de ensino especial não está suficientemente claro (OECD, 2022).
Quanto à avaliação das atitudes dos professores perante a educação inclusiva, os estudos são escassos. Destaca-se o trabalho de Silva (2019) que procedeu à tradução e validação da MATIES para a população portuguesa. Semelhante a estudos anteriores com a MATIES, também na amostra portuguesa se verifica uma correlação positiva entre as dimensões afetiva e cognitiva das atitudes com intenções comportamentais.
Contudo, é de destacar que este estudo foi feito com estudantes-estagiários e não com professores com real experiência profissional. Até à data não existe nenhum estudo de aplicação da MATIES com professores em exercício de funções.
Método
Projeto
O objetivo do presente estudo é o de analisar as atitudes dos professores portugueses do ensino básico e ensino secundário em relação à educação inclusiva, bem como o efeito da faixa etária, género, tipo de professor (professor de ensino regular ou professor de ensino especial), nível de ensino lecionado, nível de conhecimento acerca da legislação nacional sobre educação inclusiva e nível de confiança para o ensino de crianças com deficiência, sobre essas mesmas atitudes.
Optou-se por realizar o estudo com professores do ensino básico e secundário (1º ano ao 12º ano de escolaridade) por estes corresponderem aos níveis de ensino da escolaridade obrigatória em Portugal e que, como tal, têm necessariamente de proceder à implementação da educação inclusiva nas suas escolas e aulas.
A análise das atitudes dos professores portugueses em relação à inclusão, bem como a identificação de variáveis que as influenciam, será útil para melhor compreender a situação atual em torno da inclusão no contexto de Portugal.
As atitudes dos professores portugueses em relação à educação inclusiva têm sido estudadas, mas não de forma adequada. Há necessidade de mais pesquisas sobre o tema, principalmente de carácter quantitativo, e com professores no pleno exercício das suas funções, uma vez que a maioria dos estudos quantitativos tem sido realizado com estudantes universitários de mestrados relacionados à docência.
As questões de estudo foram as a seguir formuladas:
(1) Quais os afetos, cognições e comportamentos dos professores portugueses em relação à educação inclusiva?
(2) De que forma a faixa etária, género, tipo de professor, nível de ensino lecionado, nível de conhecimento acerca da legislação nacional sobre educação inclusiva e nível de confiança para o ensino de crianças com deficiência influenciam os afetos, cognições e comportamentos dos professores portugueses em relação à educação inclusiva?
O presente estudo assenta-se no paradigma quantitativo, com um desenho não experimental, descritivo e correlacional. Assume-se como paradigma quantitativo pois os dados recolhidos serão quantitativos. Tem um desenho não experimental pois não haverá manipulação de uma variável independente nem atribuição aleatória a grupos por parte do investigador. Assume-se o carácter descritivo pois as variáveis em estudo serão medidas sem interferência com o objetivo de descrever características e tendências e correlacional pois procurar-se-á testar a relação entre as variáveis.
Foram observadas as questões éticas necessárias relacionadas com a natureza da pesquisa. A investigação que se apresenta no contexto deste artigo é parte integrante de um projeto mais alargado que visa analisar as atitudes dos professores portugueses perante a educação inclusiva, projeto esse que foi revisto e aceite pela Universidade Internacional IberoAmericana – México.
Os professores participantes foram informados acerca dos objetivos da pesquisa, de que a sua participação seria anónima e voluntária e de que as suas respostas seriam usadas apenas para as necessidades da pesquisa atual. Os professores manifestaram a sua concordância expressa em participar na pesquisa através da assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. A investigadora responsável transmitiu os seus contatos pessoais aos professores participantes, caso eles quisessem comunicar por qualquer motivo.
Participantes
Neste estudo, participaram 437 professores portugueses do ensino básico e ensino secundário. Esta amostra é representativa da população portuguesa de professores com um intervalo de confiança de 95%.
De acordo com o exposto na Tabela 1, a maioria dos professores são mulheres (81,7%, n = 357) e com idade superior a 46 anos (78%, n = 341). A maioria dos participantes são professores do ensino regular (89,7%, n = 392) e lecionam no 3º ciclo e ensino secundário (59,7%, n = 261).
Em relação às experiências dos professores, a maioria avalia o seu nível de conhecimento da legislação nacional sobre educação inclusiva como médio ou bom (64,1%, n = 280), assim como o nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência (65,6%, n = 287). Contudo, o nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência é avaliado como pouco ou médio (58,3%, n = 255).
Tabela 1
Respostas dos professores participantes ao questionário sociodemográfico.
Variável |
Categoria |
N |
f% |
Género |
Masculino |
77 |
17.6 |
Feminino |
357 |
81.7 |
|
Não-binário |
3 |
0.7 |
|
Tipo de professor |
Professor de ensino especial |
45 |
10.3 |
Professor de ensino regular |
392 |
89.7 |
|
Nível de ensino lecionado |
Pré-escolar |
35 |
8.0 |
1º ciclo |
96 |
22.0 |
|
2º ciclo |
45 |
10.3 |
|
3º ciclo |
118 |
27.0 |
|
Ensino secundário |
143 |
32.7 |
|
|
Igual ou inferior a 25 anos |
16 |
3.7 |
26 a 35 anos |
13 |
3.0 |
|
Faixa etária |
36 a 45 anos |
67 |
15.3 |
46 anos a 55 anos |
147 |
33.6 |
|
|
Acima de 56 anos |
194 |
44.4 |
Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva |
Nenhum |
19 |
4.3 |
Pouco |
93 |
21.3 |
|
Médio |
159 |
36.4 |
|
Bom |
121 |
27.7 |
|
Muito bom |
45 |
10.3 |
|
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência |
Nenhum |
93 |
21.3 |
Pouco |
115 |
26.3 |
|
Médio |
140 |
32.0 |
|
Bom |
57 |
13.0 |
|
Muito bom |
32 |
7.3 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência |
Nenhum |
16 |
3.7 |
Pouco |
89 |
20.4 |
|
Médio |
147 |
33.6 |
|
Bom |
140 |
32.0 |
|
Muito bom |
45 |
10.3 |
Instrumento
Para o estudo, foram utilizados dois questionários, um questionário socio-demográfico e a Escala MATIES - Multidimensional Attitudes toward Inclusive Education Scale (Mahat, 2008), na sua aferição portuguesa (Silva, 2019).
Quanto ao questionário sociodemográfico, as primeiras quatro questões assumiam um caráter de análise demográfica da amostra acerca de: nível de ensino lecionado (pré-escolar, 1º ciclo, 2º ciclo, 3º ciclo ou ensino secundário), género (masculino, feminino, não binário), faixa etária, dividida em cinco classes (Igual ou inferior a 25 anos; 26 a 35 anos; 36 a 45 anos; 46 anos a 55 anos e acima de 56 anos) e tipo de professor (professor de ensino regular ou professor de ensino especial). As últimas três questões do questionário sociodemográfico focam-se na avaliação da amostra acerca do seu nível de formação específica para o ensino com crianças com deficiência; conhecimento da legislação nacional acerca da educação inclusiva e nível de confiança ao trabalhar com crianças com deficiência.
A MATIES (Mahat, 2008) é uma escala de 18 itens que permite medir aspetos afetivos, cognitivos e comportamentais das atitudes quanto à educação inclusiva. Os itens de instrumentos apresentam seis alternativas de resposta, variando de Discordo totalmente (1) a Concordo totalmente (6). Os primeiros 6 itens da escala (1 a 6) correspondem à dimensão cognitiva de avaliação das atitudes, os itens 7 a 12 correspondem à dimensão afetiva e os itens 13 a 18 correspondem à dimensão comportamental.
Na dimensão cognitiva da MATIES, encontram-se seis afirmações referentes ao facto de os professores acreditarem que uma escola inclusiva é aquela que possibilita a progressão académica de todos os alunos, independentemente das suas capacidades; acreditarem que os alunos com deficiência devem ser ensinados em escolas especializadas; acreditarem que a inclusão promove comportamentos sociais adequados entre todos os alunos; acreditarem que qualquer aluno consegue aprender os conteúdos do currículo, desde que sejam feitas adequações de acordo com as suas necessidades educativas; acreditarem que os alunos com deficiência devem ser segregados, porque é demasiado dispendioso modificar o espaço físico da escola e, por fim, se acreditam que os alunos com deficiência devem frequentar escolas especializadas, para não se sentirem rejeitados.
Na dimensão afetiva da MATIES, encontram-se seis afirmações referentes a possíveis sentimentos de frustração perante dificuldades em comunicar com alunos com deficiência; incómodo quando os alunos com deficiência não conseguem acompanhar os conteúdos das aulas; irritabilidade quando não se consegue entender os alunos com deficiência; desconforto quanto à inclusão de alunos com e sem deficiência na mesma turma; ansiedade quanto à a inclusão de alunos com deficiência nas turmas, independentemente da severidade da deficiência e, por fim, frustração perante a necessidade de adequar o currículo de forma a responder às necessidades educativas de todos os alunos.
Na dimensão comportamental da MATIES, encontram-se seis afirmações referentes à predisposição dos professores para motivar os alunos com deficiência para participarem em todas as atividades sociais da escola; adequar o currículo de forma a responder às necessidades educativas de todos os alunos, independentemente das suas capacidades; incluir fisicamente os alunos com deficiência severa na turma, com apoio necessário; modificar o espaço físico para incluir crianças com deficiência na turma; adaptar estratégias de comunicação, de forma a garantir que todos os alunos com uma perturbação emocional e comportamental sejam incluídos com sucesso na turma e, por fim, fazer adequações individuais no processo de avaliação dos alunos, de modo a implementar uma educação inclusiva.
Os dados foram coletados usando a ferramenta Googleforms por meio de amostragem aleatória, após contacto com as direções dos agrupamentos escolares de Portugal continental e ilhas.
O tempo de conclusão de cada questionário foi de aproximadamente 10 minutos.
Análise de dados
Os resultados foram analisados através do programa SPSS® Statistics 27.0. da IBM®
A nível inferencial, primeiro testou-se se as variáveis a serem analisadas estatisticamente estavam normalmente distribuídas por meio do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, tendo ficado demonstrado que a amostra não apresentou distribuição normal dos dados.
O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar distribuições entre 3 ou mais amostras independentes, onde pelo menos uma é pequena (n <30) e não tem distribuição normal. A análise post hoc de Bonferonni foi utilizada para testar comparações múltiplas, nos casos em que houve resultados estatisticamente significativos nos testes de Kruskal-Wallis.
Por fim, recorreu-se ao teste de qui-quadrado de Pearson para avaliar a correlação entre as variáveis inquiridas no questionário sociodemográfico.
A significância dos testes foi fixada em 5%.
Resultados
A validade das dimensões da escala MATIESp foi calculada com o coeficiente de consistência interna de Alfa de Cronbach, onde os valores aceitáveis são aqueles maiores que 0,6 (Denzin & Lincoln, 1994). A Tabela 2 demonstra que todas as dimensões apresentam validade aceitável.
Tabela 2
Análise de validade da MATIESp
Dimensão |
Apha de Cronbach |
Cognitiva |
0.632 |
Afetiva |
0.756 |
Comportamental |
0.872 |
A validade dos itens da Escala MATIESp foi testada através do método de rotação Promax com normalização Kaiser, indicando os resultados para que a maioria dos itens demonstram validade de construto adequada, como se observa na Tabela 3. Contudo, na dimensão cognitiva os itens 1 e 4 maior correspondência com a dimensão comportamental, sendo que estas mesmas observações já haviam sido previamente reportadas no estudo de validação de Silva (2019). Na dimensão comportamental, o item 12 demonstrou maior correspondência com a dimensão afetiva. Os itens 10 e 11 apresentaram validade baixa.
Tabela 3
Validade dos itens da MATIES, com rotação Promax com normalização Kaiser
|
Comportamental |
Cognitivo |
Afetivo |
Item 1 |
.581 |
-.164 |
|
Item 2 |
|
.774 |
|
Item 3 |
|
.400 |
|
Item 4 |
.541 |
-.295 |
|
Item 5 |
|
.879 |
|
Item 6 |
|
.819 |
|
Item 7 |
|
|
.776 |
Item 8 |
|
|
.767 |
Item 9 |
|
|
.790 |
Item 10 |
|
.469 |
.309 |
Item 11 |
|
|
.496 |
Item 12 |
.265 |
|
.469 |
Item 13 |
.677 |
|
|
Item 14 |
.861 |
|
|
Item 15 |
.743 |
|
|
Item 16 |
.632 |
|
|
Item 17 |
.763 |
|
|
Item 18 |
.771 |
|
|
Como se pode observar na Tabela 4, quanto à variável género não se
verificam diferenças significativas no nível cognitivo, afetivo e comportamental entre os géneros (p =
.273) (p = .407) e (p = .678).
Quanto ao tipo de professor, existem diferenças significativas no nível afetivo (p = .019) e comportamental (p = .032) entre os professores de ensino regular e de ensino especial. Os professores de ensino regular apresentaram maior pontuação no nível afetivo e comportamental do que os professores de ensino especial. Não se verificaram diferenças no nível cognitivo (p = .070).
Para o nível de ensino lecionado, não há diferenças significativas no nível cognitivo (p = .686), afetivo (p = .072) e comportamental (p = .670) entre os níveis de ensino que o participante leciona.
Também para a faixa etária, não se verificam diferenças significativas no nível cognitivo (p = .404), afetivo (p = .243) e comportamental (p = .795) entre faixas etárias.
Existem diferenças significativas no nível cognitivo (p = .010), afetivo (p = .015) e comportamental (p < .001) entre alguns dos conhecimentos da legislação nacional acerca da educação inclusiva. Na dimensão cognitiva, ter “pouco” conhecimento apresenta maior pontuação do que o nível “bom” e o nível “muito bom”. Na dimensão afetiva, ter conhecimento “médio” e “pouco” apresenta maior pontuação do que o nível de “nenhum” conhecimento. O nível de “bom” conhecimento apresenta pontuação mais baixa do que o nível “médio” e o “pouco”. Na dimensão comportamental, os participantes que relatam “pouco” conhecimento e “médio” conhecimento apresentam melhor pontuação do que os que relatam “bom” conhecimento. O nível “muito bom” conhecimento apresenta menor pontuação do que o “pouco” conhecimento.
Existem diferenças significativas no nível cognitivo, afetivo e comportamental entre alguns dos níveis de formação especifica para o ensino com crianças com deficiência. No nível cognitivo (p = .009), os participantes que relatam ter “nenhum” nível de formação e “pouco” nível de formação têm melhores pontuações, comparados com “muito bom” nível de formação. “Nenhum” nível de formação redunda em melhores pontuações do que “médio” nível de formação. No nível afetivo (p < .001), ter “nenhum” nível de formação apresenta melhor pontuação que “bom” nível de formação e “muito bom” nível de formação. Ter “pouco” nível de formação resulta em melhor pontuação que “muito bom” nível de formação e “bom” nível de formação. Ter “médio” nível de formação resulta em pontuações menores do que “pouco” nível de formação e “nenhum” nível de formação. No nível comportamental (p = .003) ter “nenhum” nível de formação apresenta melhor pontuação que “médio” nível de formação e “muito bom” nível de formação. Ter “pouco” nível de formação apresenta melhor pontuação que “médio” nível de formação e “muito bom” nível de formação. Ter “nenhum” nível de formação apresenta melhor pontuação do que “bom” nível de formação.
Por fim, também existem diferenças significativas no nível cognitivo, afetivo e comportamental entre alguns dos níveis de confiança a trabalhar com crianças com deficiência. No nível cognitivo (p = .038) ter “pouco” nível de confiança é melhor que ter “muito bom” nível de confiança, “bom” nível de confiança e “médio” nível de confiança. No nível afetivo (p < .001) ter “pouco” nível de confiança é melhor que “bom” nível de confiança e “muito bom” nível de confiança. Ter “médio” nível de confiança é melhor que “muito bom” nível de confiança. No nível comportamental (p < .001) ter “pouco” nível de confiança é melhor que ter “médio” nível de confiança, “bom” nível de confiança e “muito bom” nível de confiança. Ter “nenhum” nível de confiança é melhor que ter “muito bom” nível de confiança. Ter “médio” nível de confiança é melhor que “muito bom” nível de confiança e “bom” nível de confiança é melhor que “muito bom” nível de confiança.
Tabela 4
Correlações entre as variáveis do questionário sociodemográfico e as dimensões da MATIES
Variáveis | Dimensões da MATIES |
Kruskal-Wallis |
df | p-Value |
Género | Cognitivo |
1.201 |
1 |
.273 |
Afetivo |
.688 |
1 |
.407 |
|
Comportamental |
.173 |
1 |
.678 |
|
Tipo de professor | Cognitivo |
3.275 |
1 |
.070 |
Afetivo |
5.537 |
1 |
.019 |
|
Comportamental |
4.609 |
1 |
.032 |
|
Nível de ensino lecionado | Cognitivo |
2.272 |
4 |
.686 |
Afetivo |
8.609 |
4 |
.072 |
|
Comportamental |
2.360 |
4 |
.670 |
|
Faixa etária | Cognitivo |
4.015 |
4 |
.404 |
Afetivo |
5.462 |
4 |
.243 |
|
Comportamental |
1.677 |
4 |
.795 |
|
Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva | Cognitivo |
13.374 |
4 |
.010 |
Afetivo |
12.402 |
4 |
.015 |
|
Comportamental |
20.099 |
4 |
<.001 |
|
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência | Cognitivo |
13.582 |
4 |
.009 |
Afetivo |
24.055 |
4 |
<.001 |
|
Comportamental |
16.075 |
4 |
.003 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência | Cognitivo |
10.142 |
4 |
.038 |
Afetivo |
34.467 |
4 |
<.001 |
|
Comportamental |
19.964 |
4 |
<.001 |
Na Tabela 5, podem ser observadas as correlações entre as variáveis do questionário sociodemográfico.
Verifica-se que existe uma relação significativa entre o género e o nível de ensino lecionado (χ² (4, N=434) = 10.46, p = .033). Os participantes do género feminino têm maior probabilidade de lecionarem pré-escolar e 1º ciclo, enquanto os do género masculino têm maior probabilidade de lecionarem no ensino secundário.
Não há relações significativas entre o género e a faixa etária (p = .269), a avaliação do nível de formação especifica para o ensino com crianças com deficiência (p = .218), o conhecimento da legislação nacional (p = .120) ou o nível de confiança a trabalhar com crianças com deficiência (p = .359).
Não há relações significativa entre o tipo de professor e o nível de ensino que leciona (p = .271), o género (p = .276) ou a faixa etária (p = .830).
Existe uma relação significativa entre o tipo de professor e o nível de formação para o ensino com crianças (χ² (4, N=437) = 78.69, p < .001). Professores de ensino especial têm maior probabilidade de se avaliarem como “bom” e “muito bom”.
Existe uma relação significativa entre o tipo de professor e o conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva (χ² (4, N=437) = 33.10, p < .001). Professores de ensino especial têm maior probabilidade de se avaliarem como “bom” e “muito bom”.
Existe uma relação significativa entre o tipo de professor e o nível de confiança a trabalhar com crianças com deficiência (χ² (4, N=437) = 43.15, p < .001). Professores de ensino especial têm maior probabilidade de se avaliarem como “bom” e “muito bom”. (nenhum respondeu “nenhum”, “pouco” ou “médio”).
Existe uma relação significativa entre o nível de ensino que leciona e o nível de formação especifica para o ensino com crianças com deficiência (χ² (16, N=437) = 30.894, p = .014). os participantes que avaliam o seu nível de formação como “muito bom” têm maior probabilidade de ensinarem o 1º ciclo, os que respondem “bom” de ensinar o 2º ciclo, os que respondem “médio” de responder “pré-escolar”, os que respondem “pouco” e “nenhum” de lecionarem o 3º ciclo.
Não há relações significativas entre o nível de ensino que leciona e o seu conhecimento da legislação nacional (p = .209) ou o nível de confiança ao trabalhar com crianças com deficiência (p = .414).
Existe uma relação significativa entre a faixa etária e o conhecimento da legislação nacional (χ² (16, N=437) = 30.23, p = .017). Os participantes que avaliam o seu conhecimento da legislação como muito bom têm maior probabilidade de estarem acima dos 56 anos. Os que avaliam como “bom” e “médio” têm maior probabilidade de estarem entre 46 a 55 e os que se avaliam como “pouco” têm maior probabilidade de estarem entre os “36 a 45”.
Não há relações significativas entre a faixa etária e o nível de formação especifica para o ensino com crianças com deficiência (p = .331) ou o nível de confiança ao trabalhar com crianças com deficiência (p = .927).
Tabela 5
Correlações entre as variáveis do questionário sociodemográfico
Variáveis |
χ² |
p-Value |
|
Género | Tipo de professor |
1.185 |
.276 |
Nível de ensino lecionado |
10.46 |
.033 |
|
Faixa etária |
5.184 |
.269 |
|
Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva |
7.315 |
.120 |
|
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência |
5.763 |
.218 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência |
4.360 |
.359 |
|
Tipo de professor | Nível de ensino lecionado |
5.158 |
.271 |
Faixa etária |
1.481 |
.830 |
|
Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva |
33.10 |
< .001 |
|
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência |
78.69 |
< .001 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência |
43.15 |
< .001 |
|
Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva |
20.248 |
.209 |
|
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência |
30.894 |
.014 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência |
16.574 |
.414 |
|
Faixa etária | Nível de conhecimento da legislação nacional acerca de educação inclusiva |
30.23 |
.017 |
Nível de formação específica para o trabalho com crianças com deficiência |
17.881 |
.331 |
|
Nível de confiança para o trabalho com crianças com deficiência |
8.653 |
.927 |
Discussão e Conclusões
Os resultados obtidos no presente estudo permitem, em primeiro lugar, caracterizar a docência do ensino básico e secundário em Portugal como uma profissão maioritariamente feminina, principalmente nos níveis iniciais de ensino; e envelhecida em que a média de idades ronda os 50 anos, dados esses que estão em conformidade com as estatísticas oficiais (OECD, 2022).
Os professores inquiridos reportam sentir que têm pouco ou nenhum nível de formação para a educação inclusiva. De facto, de acordo com o estudo da OECD (2018), apenas pouco mais de um terço dos professores em Portugal, se sentia preparado para trabalhar num ambiente inclusivo com alunos com necessidades educativas diversas, e 27% afirmaram que gostariam de receber formação complementar: 5 pontos percentuais acima da média da OECD (22%).
Em contraste à ideia de que têm um inferior nível de formação para o trabalho com crianças com deficiência, os professores avaliam maioritariamente o seu nível de conhecimento da legislação nacional como médio ou superior. Tal coloca a possibilidade de explicação de que os professores poderão carecer de formação específica mais a nível de estratégias e pedagogia do ensino e não tanto dos conceitos gerais relacionados com inclusão, necessidades educativas especiais ou termos legais inerentes.
Não obstante sentirem que têm pouco nível de formação para a educação inclusiva, os professores portugueses sentem-se maioritariamente confiantes nas suas capacidades para atender às exigências da educação inclusiva. Coloca-se a hipótese de que tal se possa dever a possíveis crenças de autoeficácia dos professores que lhes permitirão ter a confiança de se conseguirem adaptar às situações mais desafiantes. Sugere-se a realização de estudos mais detalhados acerca do sentido de autoeficácia dos professores portugueses.
Quanto aos resultados obtidos na escala MATIES estes mostram, em primeiro lugar, que os professores portugueses têm atitudes favoráveis relativamente à educação inclusiva, o que é coincidente com as observações iniciais do estudo de Scruggs & Mastropieri (1996) que demonstrou que a maioria dos professores tem atitudes positivas quanto à educação inclusiva. Também no estudo da OECD (2018) realizado especificamente com professores portugueses se constatou uma atitude geral positiva em relação à inclusão.
Os professores portugueses inquiridos relataram maioritariamente que a escola inclusiva é aquela que possibilita a progressão académica de todos os alunos, independentemente das suas capacidades e que a inclusão promove comportamentos sociais adequados entre todos os alunos. Rejeitam a ideia de segregação, com base em argumentos financeiros ou para evitar que os alunos se sintam marginalizados, mas dividem-se quanto à ideia da necessidade de escolas especializadas e de que qualquer aluno conseguirá aprender os conteúdos do currículo, desde que sejam feitas adequações de acordo com as suas necessidades educativas. Os professores inquiridos referem não se sentirem incomodados, ansiosos nem irritados com aspetos pedagógicos relacionados com a inclusão de alunos, por exemplo, a adaptação de recursos ou conteúdos. Contudo, parecem sentir mais desconforto a nível pessoal na relação com os alunos nomeadamente na gestão da comunicação e relação entre alunos de ensino regular e ensino especial.
Este resultado é coincidente com a literatura que refere que os professores tendem a expressar maiores preocupações com as dificuldades na atenção/concentração, linguagem e comunicação e competências sociais de alunos com necessidades educativas especiais ao implementar a educação inclusiva (Forlin et al., 2008). Os professores poderão estar a sentir maior dificuldade na gestão pessoal dos esforços de inclusão do que propriamente na gestão técnica e profissional do mesmo. Tal hipótese carece de mais estudo e a comprovar-se coloca-se a possibilidade de os professores portugueses poderem beneficiar de maior apoio organizacional e formativo na gestão pessoal do processo de inclusão.
A nível comportamental, os professores portugueses demonstram uma significativa predisposição para efetuar alterações a nível pessoal, físico e organizacional para a inclusão dos alunos de ensino especial, independentemente do seu grau de necessidade, para adequar o currículo, métodos de avaliação, estratégias de comunicação e espaço físico.
Quanto à análise inferencial foi possível aumentar o conhecimento acerca dos fatores possivelmente influenciadores das atitudes dos professores relativamente à educação inclusiva.
Abordaremos em primeiro lugar, o tipo de professor, distinguindo-se entre professores de ensino regular e professores de ensino especial.
Os professores de ensino regular têm formação geral em ensino e, comparativamente menor, formação em ensino especial. Os professores de ensino especial são profissionais que especificamente escolhem trabalhar na educação inclusiva pelo que seria de esperar que, à partida, tivessem também atitudes mais positivas perante a inclusão. Engelbrecht et al. (2013) demonstraram que os professores de ensino especial tinham atitudes mais positivas acerca da educação inclusiva do que os professores de ensino regular. Contudo, no presente estudo, os resultados não são tão lineares visto que na MATIES os professores de ensino regular apresentaram atitudes mais positivas no nível afetivo e comportamental do que os professores de ensino especial e não se verificaram diferenças entre professores na dimensão cognitiva da MATIES.
Pode-se argumentar que a implementação da educação inclusiva leva a que estas duas categorias de professores cada vez mais trabalhem de forma colaborativa e que, como tal, se venha a observar também uma ausência de diferenças estatisticamente significativas entre categorias de professor. Poderá deixar de fazer sentido continuar a fazer a distinção entre professores de ensino regular ou professores de ensino especial e começarmos antes a falar da categoria única do professor inclusivo.
Tal pode ser também uma explicação possível para o facto de não se terem verificado no presente estudo diferenças estatisticamente significativas entre nível de ensino de cada professor. Neste ponto, os resultados são contrários ao estudo de Chiner & Cardona (2013) e de Polyzopoulou & Tsakiridou (2023), que mostraram que os professores do ensino básico revelavam atitudes mais positivas perante a educação inclusiva, e ao estudo de Gaines & Barnes (2017), que mostrou que os professores do ensino secundário tinham atitudes mais favoráveis do que os professores primários.
Quanto à faixa etária poderia argumentar-se que, quanto mais anos de experiência docente, mais confiante e disponível os professores estariam para a educação inclusiva (Dignath et al., 2022). Contudo, a literatura aponta para resultados inconclusivos quanto à relação dos anos de experiência profissional dos professores de ensino regular com as atitudes perante a educação inclusiva (de Boer et al., 2011). Isto mesmo se observa nos resultados alcançados com os professores portugueses, em que os resultados obtidos através da MATIES não demonstraram quaisquer diferenças significativas relativa à faixa etária no nível cognitivo, afetivo e comportamental.
Por fim, quanto às variáveis demográficas de idade e género, os resultados alcançados no presente estudo com professores portugueses são inconclusivos.
Quanto ao fator género, coexistem estudos a não revelar diferenças entre géneros (por exemplo, Chhabra et al., 2010); estudos que mostram atitudes mais positivas por parte do género feminino (por exemplo, Alquraini, 2012) e estudos que mostram atitudes mais positivas por parte do género masculino (Bhatnagar & Das, 2014). Os resultados obtidos no presente estudo com professores portugueses não revelaram relação entre género e atitudes em relação à educação inclusiva. Sugere-se que o foco no fator género não é relevante quanto às atitudes dos professores perante a educação inclusiva.
Quanto ao fator idade, também ocorre inconsistência de resultados variando entre a não associação entre idade e atitudes mais positivas (Chhabra et al., 2010) e evidências que os professores jovens têm atitudes mais positivas (por exemplo, Ahmmed et al., 2014).
Os resultados obtidos no presente estudo com professores portugueses na MATIES não demonstram relação entre idade e atitudes perante a educação inclusiva. À semelhança do fator género sugere-se que o fator idade não terá uma relevância significativa quanto às atitudes dos professores perante a educação inclusiva.
Deverá ser igualmente feito um comentário reflexivo acerca da própria escala de avaliação MATIES visto que os testes de validade efetuados no seguimento da aplicação com a amostra de professores portugueses revelaram alguns potenciais problemas.
Iniciando pela questão da validade, na validação da versão original do questionário MATIES, Mahat (2008), calculou a validade das escalas com alfa de Cronbach de 0.89 na área afetiva; 0.79 na área cognitiva e 0.91 na área comportamental. No presente estudo com professores portugueses, os resultados do alfa de Cronbach foram de 0.76 na área afetiva; 0.63 na área cognitiva e 0.87 na área comportamental, ou seja, um pouco inferiores aos encontrados por Mahat (2008).
Estes valores encontram-se ainda num patamar aceitável demonstrando validade de conteúdo aceitável, validade de constructo, validade de critério e validade convergente. Contudo, apenas coeficientes de validade acima de 0,70 são, no geral, considerados respeitáveis e a maioria das escalas de atitudes têm estimativas de validade acima de 80 (Denzin & Lincoln, 1994). A versão portuguesa do MATIES encontra-se abaixo de tal valor nas áreas cognitiva e afetiva e após análise detalhada item a item, verificou-se igualmente dificuldade com alguns dos item da área cognitiva (item 1 e item 4), exatamente os mesmos determinados no estudo inicial de validação para a população portuguesa realizado por Silva (2019).
Por outro lado, e como notou Ewing et al. (2018), apesar de ambos os questionários se assumirem com escalas de avaliação de atitudes perante a educação inclusiva, na realidade o foco dos questionários difere muito deste pressuposto base. A MATIES foca-se na noção de incapacidade e deficiência o que, como alertou Ewing et al. (2018) pode fazer com que estes questionários não sejam os mais adequados para avaliar as atitudes dos professores em relação à inclusão de crianças com dificuldades comportamentais, emocionais ou de aprendizagem. As escalas de avaliação de atitudes não refletem claramente os princípios basilares da educação inclusiva e torna-se fundamental refiná-las de modo a abranger pensamentos, políticas e práticas mais atualizadas.
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